Quando o medo é necessário
A Vila, filme americano, de Night Shyamalan, rodado na Pensilvânia ( 2004), tem como enredo uma aldeia, cujos habitantes se trancam, por trás de uma floresta, e vivem numa comunidade, que se abastece de tudo, independentemente das cidades. Todos construíam a casa de cada um, da sapata ao telhado, e especialmente os pavilhões e construções de uso comum. Assim, permaneciam isolados de outros meios sociais e vilarejos mais distantes, sob a ameaça de não poder atravessar a floresta, onde, ora se escondia, ora aparecia uma violenta criatura, possivelmente de feições assombrosas, vestida com uma capa preta, forrada de vermelho, lembrando-me as histórias de lobisomem, da nossa infância, contadas à noite, antes de dormir, para que não nos afastássemos de casa. Fazer esse medo na Vila era a maneira de convencer aquela gente a não ultrapassar a floresta.
Tudo maquinado e organizado, com força de costume, por uma espécie de pastor, que só via, na sociedade da cidade, o maligno: violento, infernal, pecaminoso e adulterador dos bons valores. Sua ideia era isolar seus “fiéis” do restante do mundo. Assim, ninguém ousaria enfrentar o tal monstro, que realmente rugia, à noite, levando as crianças para os porões, para baixo dos cobertores ou para os braços da mãe. Além de ser um assombroso mistério, jamais encarado, na realidade o aparecimento desse monstro esquartejava e comia coelhos, galinhas, ovelhas e cachorros, deixando rastros de agressividade e sinais de sangue. A felicidade da Vila se mantinha à tutela do medo...
E a vida dessa Vila lembra os tristes atuais noticiários sobre o que estamos a sofrer, a saber o maior número de mortes, desde o início da pandemia. Aqui, entre nós, o que se vê não é um filme, mas uma nefasta realidade, que atinge todas as faixas etárias, sobejamente, muito além da capacidade hospitalar. Recomenda-se ser adepto da vacinação, mas enquanto ela não chega até você, não abandonar o uso de máscara, até, se possível, de duas máscaras ao mesmo tempo; o contínuo lavabo das mãos com álcool 70, isolamento ou distância de dois metros entre pessoas, desde que estejam mascaradas. No entanto, o quadro é terrível, morrem crianças, jovens, adultos e idosos, por causa do contágio, que se alastra pelo país... Alguns “religiosos” protestam contra medidas mais severas para as assembleias religiosas, para cultuar Deus? Para ter ocasião de se cobrar o dízimo. Alguns “educadores”, para educarem? Não, para terem oportunidade de cobrar a mensalidade... Enfim, não se percebe que assim se contradiz o valor maior que é a vida? Contra esse escárnio, manifestamos o apoio e a solidariedade aos Governantes que, sensatamente e com responsabilidade, agem com severidade pelo bem coletivo da nossa saúde.
Apela-se para os clips que chegam a nos fazer medo: um parente ofegante, sem ar, ainda esperançoso, mas infelizmente falecendo. Contudo isso não tem sensibilizado os “insensíveis”. Nas ruas e nos logradouros públicos, indivíduos sem máscara, aglomerados em festas de improviso ou programadas, escondidas ou ostensivas. Alarma-se, nacional e internacionalmente, que, desse modo, haverá no nosso país um futuro não benfazejo. Perdeu-se a pouca temeridade vivida em 2020; verifica-se que essa “gente sem máscara” e em festas zomba das nossas precauções e preocupações. Meu medo se duplica por aqueles que o perderam, nunca, nesse sentido, o medo é tão necessário. O medo, desde que não seja fobia, é “bom senso” em relação ao perigo real ou iminente, fator imprescindível à prudência e à prevenção de autodefesa, como também compensador ao medo já está perdido... "O medo de cair também é necessário para voar".