Saudade do Velho Normal

Eu sinto saudade do velho normal, evito falar sobre isso, evito reconhecer que sinto isso, mas depois de tantos anos de terapia, já não há mais como mentir para mim, posso tentar, mas a farsa não dura mais do que 2 dias. A reta final da graduação, o final de um ciclo importantíssimo e o desejo de iniciar um novo caminho profissional, servem para me colocar num local de saudosismo e nostalgia que eu nunca havia experimentado em todos esses anos de vida. Será que era tão bom quanto eu me lembro ou eu estou superdimensionando aquela época? Sinceramente, não sei dizer, não tenho uma resposta eficiente e, no atual contexto, não espero tê-la, mas sei que sinto saudade.

Saudade de tudo que me foi possível ao longo dos últimos anos. Não sinto saudade de acordar cedo, antes do sol, para começar a me arrumar para a faculdade, sempre funcionarei melhor à partir das 10h, mas sinto falta de pegar o metrô bem cedinho, não era, de forma alguma um trajeto fácil, era apertado, algumas vezes quente, pouco confortável, mas depois de certo tempo, peguei a manha, descobri onde me posicionar para chegar o mais confortável possível em Botafogo. Munido do meu fone, ouvindo podcast ou música, era naquele trajeto que eu me colocava em ordem, quando a luz do raiar iluminava todo o vagão.

O metrô acompanhou minhas maiores alegrias. Saudade de, por vezes, finalizar entre as estações um trabalho da faculdade, trocar resumos com os colegas antes de uma prova que se realizaria dali a algumas horas, comemorar ou lamentar um resultado. No metrô eu chorei a dor de perder um amor, as frustrações da vida, as descobertas da terapia, entre tantas outras coisas importantes para mim

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Se dele sinto falta, mais ainda sinto falta do ônibus da minha vida: 513 - Urca. Se eu fechar meus olhos, sou capaz de me ver subindo correndo os últimos degraus da Estação Botafogo, porque lotado, ele já se preparava para sair e Deus sabe quando o ônibus atrás dele iria sair do ponto.

Absolutamente nada que eu diga sobre esse ônibus importa tanto quanto o fato de que tudo na minha mente desaparecia quando ele chegava Enseada, nos dias de sol, a luz invadia o interior do ônibus, mais do que preencher de um amarelo vivo cada pedaço de estofado, ferro e metal do ônibus, e vez ou outra causar uma sensibilidade dolorosa aos olhos, fazendo com que alguns óculos fossem colocados, aquela luz me preenchia de esperança. Nos dias mais difíceis eu pensava: “vai amanhecer para mim, a vida vai brilhar também”. Todos os dias, quando ele passava pela Enseada, era brilhando, que a vida me respondia.

Esse caminho que estamos fazendo termina na minha faculdade, minha maior saudade, todos os dias, nesse terrível ensino remoto, eu padeço de saudades de cada pedacinho daquele local, de cada conversa, de cada risada, de cada aprendizado e evolução que vivi com cada amigo que fiz ali. De cada correria entre prédios, de cada desabafo, de cada intervalo, de cada cafezinho, de cada perrengue, seguido de apoio que nos demos.

De cada momento meu, solo, no 4º andar da faculdade, admirando a vista, vendo o sol se pondo com o Cristo, de braços abertos, enquanto ouvia Samba do Avião: “este samba é só porque Rio,eu gosto de você.”

Passado tudo, sinto saudade da beleza, talvez um pouco melancólica do retorno. Novamente, 513, quase sempre, entrando na Urca, cortando o restante do bairro, era nesse trajeto circular, quando ele chegava na mureta, que quase sempre, ao observar a conjuntura da vista: Aterro, Enseada e Pedra da Gávea, ao som do Tom, enquanto os últimos raios cruzavam o céu, que eu pensava: “A vida é boa”. E, caramba! Como a vida era boa, e como eu fui bobo em não aproveitar tanto.

Nossa, sim! Como a vida era boa!

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 03/03/2021
Código do texto: T7197117
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