Nublado
Dizem que vivo fazendo tempestade em copo d'água, deve ser por isso que transbordo.
Condensada no teto do quarto, faço o possível para não chover lembranças ácidas, para não escorrer o medo estridente de revisitar o passado. O tempo nublado rememora os dias caóticos da infância, mas embaça a adolescência, intrigante.
Flutuo pela casa, a madrugada é difícil para aqueles que estão sufocando.
Sinto o peso das poças acumuladas com o passar dos anos, sinto a força do vento que me leva de um lado para o outro, não sinto solidez alguma, quando foi a última vez que fui sólida? Me vejo evaporar numa fração de segundos, talvez efêmera demais para que possa matar a sede daqueles que me desejaram um dia, se é que o fizeram.
A brisa corta-me ao meio, sensível demais para me manter inteira, pingo por toda a casa, mas ninguém notou os rastros de minhas questões, sem respostas.
Ao rosto frio provoco o prazer das lágrimas mornas e aos frangalhos cálidos da minha vida adulta deixo chover, alago os olhos, faço piscina ao lado da cama, para quem já afogou-se no mar de angústias isso é peixe pequeno.
Peixe morre... pela boca.