Dignidade; por onde andas?
Tive um amigo quando morava em São Paulo. Era um advogado nascido e criado na periferia da zona norte da capital onde ainda residia. Foi com esforço próprio, de seus pais e o incentivo de amigos que havia conseguido "romper a bolha" e alcançar o status de profissional de nível superior. Ele trabalhava numa imobiliária e, tão logo se formou, passou a atuar no Departamento Jurídico da empresa.
O problema era que o amigo não queria abandonar "suas raízes", por isso, continuava convivendo com as mesmas pessoas, usando o mesmo tipo de roupa e até falando o português tacanho da periferia que havia aprendido, apesar de saber usar o vernáculo, tudo para não atritar com aqueles a quem tanto devia.
Tudo ia bem até que certo dia se encontrou com um ex colega de faculdade. O colega ficou abismado ao ver seu estado deplorável; achou-o malvestido, mal barbeado, com o cabelo mal cortado e usando palavras incompatíveis com o que aprenderam, logo ele que não havia sido mal aluno. O colega quis saber se ele atuava no ramo do direito. Ele informou que era funcionário interno do setor jurídico. Seu colega chamou-lhe fortemente a atenção sobre sua postura profissional e, é claro que ele não gostou, porém concordou em pensar no assunto.
Não demorou muito para mudar de atitude: passou a cortar o cabelo com capricho, barbear-se com frequência, usar terno e gravata e melhorou o vocabulário. Os chefes logo notaram a diferença e, não demorou, ele passou a representar a empresa em audiências importantes além de ser chamado de "doutor", tudo melhorou.
É exatamente isto que não vejo acontecer com aquele que foi alçado ao cargo máximo da República Federativa do Brasil.
Tudo bem que ele fosse um jovem tosco do Vale do Ribeira que decidiu seguir a carreira militar. Tudo bem que, uma vez no Exército, tenha descoberto vocação para lutar por melhores condições para si e para seus pares, o que resultou em seu afastamento.
Todos compreendem que o caminho natural dos inconformados seja a busca da mudança através da legítima via da política eleitoral, logo, nada de estranho quando Jair Messias Bolsonaro se candidatou a vereador na cidade do Rio de Janeiro tendo expressiva votação.
Nada demais o ex capitão querer alçar vôos mais altos ao se colocar como opção para a Câmara Federal alcançando sucesso por 7 vezes consecutivas.
Em minha modesta opinião, as coisas ficam estranhas quando o político começa se preparar para disputar o cargo máximo da Nação. Um de seus primeiros passos foi passar a conviver com pastores evangélicos; em seguida fez visita à Israel e se declarou admirador daquela nação. Seus filhos foram vistos por vezes usando camisetas que exaltavam feitos do país do oriente médio, cujos resultados eram e são criticados pelo mundo inteiro.
O auge deste "tour" foi o candidato e seu filho 01 submeter-se a uma cerimônia de batismo no Rio Jordão realizada por um pastor "assembleiano" que atualmente se encontra detido acusado de "prática de corrupção"; gostaria que alguém do ramo me explicasse essa "marmota"; juro que jamais compreendi, afinal o presidente e seus filhos jamais demonstraram qualquer decisão pela religião evangélica. Em tempo informo que sou membro de igreja evangélica há 45 anos.
Ao voltar de Israel a campanha tomou impulso. Agora o candidato recebia apoio explícito de diversos líderes evangélicos, era ovacionado em reuniões de igrejas e passou a usar "vocabulário paroquial" comum aos crentes.
João 8.32 passou a ser "sua divisa" ao finalizar os discursos; discursos esses que por vezes prometiam "eliminar" os adversários, prende-los e "jogar a chave fora".
Findada a campanha eleitoral, o candidato, que começou por baixo e muito desacreditado, acabou eleito para exercer 4 anos de mandato como chefe do executivo da Presidência da República. Sabemos que parte dos 40.000.000 de votos evangélicos foram determinantes para este sucesso.
O homem, porém, continuou misturando as coisas, algumas vezes se apresentando como evangélico e outras nem tanto.
Um amigo informou emocionado que o viu entrar numa tradicional Igreja Batista da capital junto com a esposa e ajoelhar-se enquanto um grupo de pastores e seus auxiliares oravam impondo as mãos sobre o primeiro casal. O ato se repetiu outras vezes em diversos lugares.
Em Manaus foi no Complexo Canaã da Assembleia de Deus do Amazonas.
Atitudes ambíguas persistiram.
Dias depois de ser convidado de honra no aniversário de um conhecido pastor em São Paulo, onde as cenas se repetiram, foi divulgado o vídeo de uma reunião ministerial com a presença de três evangélicos fervorosos (Damares Alves, André Mendonça e Ônyx Lorenzoni) onde o chefe do executivo não se poupou de falar palavras de calão rasteiro; redes sociais contaram 29 impropérios de corar a malandragem.
Numa sucessão de eventos internacionais, o vimos ofender nações amigas, negar a ciência, desrespeitar enlutados e, infelizmente, faltar com a verdade sobre assuntos de domínio público numa demonstração de desprezo à informação, aposta na ignorância ou desconhecimento de fatos estatísticos e históricos.
A última atitude desastrada foi hipotecar apoio ao presidente "pato manco" do EUA, que ao sair do cargo em posição humilhante após contestar, em vão, os resultados das eleições, repetidas vezes auditados, e que em um último ato de falta de caráter democrático, convocou supremacistas radicais para invadir o Congresso daquele país, no dia em que o novo presidente seria declarado vencedor do pleito.
Não sei os demais brasileiros, mas eu fico com muita vergonha da "nossa" descompostura. Ainda mais quando nenhum líder mundial repete o nosso; todos condenaram os acontecimentos de 6/1 em Washington.
Não seria o caso de haver um amigo para alertar o nosso líder sobre seus modos não condizentes com seu cargo?