Cegos que não querem enxergar

Cego por Hábito

Esse texto busca explicar um pouco as dificuldades de se discutir temas relevantes do momento que passamos. Felizmente já temos as vacinas. Insuficientes ainda, mas, após tantas trapalhadas de governantes, está chegando aos brasileiros.

Nessa minha caminhada vivenciei inúmeras situações, que pensava até insolúveis, mas jamais poderia imaginar estar vivendo a triste situação de uma pandemia, a pior dos últimos tempos, cujos efeitos desastrosos já superam inclusive à Gripe espanhola, ocorrida há um século. O que mais nos deixa mesmo estupefatos, é a grande quantidade de pessoas, as quais, repentinamente, se transformaram em entendedores de toda a ciência que há no mundo, discutindo coisas complexas nas redes sociais.

A maioria não quer mesmo saber de coisas da ciência, da biologia, etc... quer defender posições políticas de sua preferência, e não tem espaço mais para raciocínios lógicos.

Não devo me ater mais ao tema nessa postagem, mas creio haver equívocos nas tendências e nas colocações desprovidas de fundamentos, as quais somente com muita discussão sensata poderia nos levar a rever determinadas questões com lucidez e expor raciocínios que alimentem o bom debate.

O inebriante calor das discussões políticas podem causar dissabores, e costuma cegar os contendores e a razão, somente o tempo, sempre prodigioso, irá nos mostrar onde está.

Assim, não valendo a pena o desgaste, eis que devemos respeitar os argumentos e opinião formada em torno do assunto, com maior ou menor grau de convencimento nelas existentes.

Posto esta simples precaução, vou deixar um pequeno texto, que demonstra de forma análoga o que me ocorre no momento.

Está diretamente relacionado aos que ficaram cegos e surdos às outras opiniões e comprovações científicas e de fatos, mantendo ainda as mesmas posturas, ora negando ou questionando embasados ainda em coisas superadas, desprezando a evolução que constatamos claramente, e que, decorrido um ano do início dessa pandemia, nos parecem mais estar no "estado da arte" e com muito mais substância trazida pelas experiências vividas até aqui. São os que, por questões políticas, ficaram "cegos por hábito"...

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Murilo Araújo, poeta modernista, mineiro escreveu um texto assaz interessante:

Cego por hábito

"Um dia o Dr. Moura Brasil, já na luminosa ave-maria da sua vida, foi honrado, em demonstração pública, pela classe médica do país. E afirma um cronista que, então, dentro do salão, bradavam os oradores: "É um verdadeiro santo".

É que o grande cientista, que cedo alcançou, pelo raro mérito, a celebridade e a fortuna, reunia a ciência à sabedoria. Nele, o cérebro de médico era capacitado e o coração do homem era compadecido.

Nascido num lugarejo humilde, próximo às divisas do Ceará com o Rio Grande do Norte, aperfeiçoou, moço, na Europa, os estudos que fizera no Rio. E lá mesmo, em Paris, alcançou já os primeiros triunfos. Inúmeros foram os doentes que por suas mãos recuperaram o dom divino de enxergar o mundo, de ler o poema que a Providência escreveu.

Nem todos talvez merecessem um milagre. O mestre, entretanto, em sua bondade, não entrava em tal apreciação. E de igual modo, diante do pobre jamais soube divisar interesses.

Certa ocasião atravessava ele a Rua do Ouvidor, quando lhe veio ao ouvido um lamuriar lamentoso:

- Ajudem por favor um pobre cego! Uma esmolinha pelo amor de Deus!

Ao mesmo tempo que lhe estendia o óbolo, disse o facultativo mansamente:

- Quer mesmo que eu o ajude? Não gostaria de ver de novo?

- Ah! Quem no mundo me daria uma felicidade destas?

- Vai então amanhã em minha clínica.

O pobre apressou-se em seguir, trêmulo, aquela pálida esperança.

Moura Brasil examinou-o. E com uma intervenção notável, corrigiu a anomalia que lhe impedia a visão. Uma semana depois, retirada a venda, o cego se deslumbrou com o mundo. E agradeceu comovidíssimo.

Tempos depois, todavia, o seu operador o encontrou de novo, esmolando na Rua do Ouvidor.

- Como?! Disse ele. Outra vez aqui? Voltou-lhe acaso a cegueira?

- Oh não, senhor doutor! Vejo perfeitamente bem. Mas peço esmola porque agora já não há meios de acostumar-me com outro meio de vida...

E dessa vez nada pode o oculista... Era o homenzinho o pior cego: era aquele que não quer ver...”

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 27/02/2021
Código do texto: T7194464
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