O QUE VOCÊ TEM A PERDER?

Esta é uma boa pergunta. Afinal o que eu tenho a perder a esta altura de minha vida, aos sessenta e oito anos? Posso responder a essa pergunta partindo de variados aspectos de minha vida, de ontem e de hoje.
Primeiro, vamos comentar sobre o tempo, e eu tenho tempo. Todo o tempo que preciso. Sou um homem muito saudável, não tenho e nunca tive doenças complicadas, nem tomo medicamentos, só algumas vitaminas. Tenho uma mãe de noventa e quatro anos que também não toma medicamentos. Só está velha, em alguns dias levanta-se com dores nas pernas, mas eu creio que é apenas uma leve depressão, normal para a idade, e nesse dia ela gosta de ficar na cama. E só a esta altura de sua vida começa a perder a memória, não a lucidez. Significa que, do ponto de vista do tempo, eu ainda posso ter uns vinte e cinco a trinta anos de vida pela frente. E se eu continuar me cuidando e, seguindo as práticas saudáveis para o bom envelhecimento, eu posso chegar lá. Quero cuidar desse tempo que ainda tenho pela frente. Quero ganhar mais tempo.
Segundo, eu gosto de escrever e desde adolescente sonhava em ser escritor. A vida me levou para outros caminhos, precisava trabalhar em algo que me garantisse a sobrevivência logo. Aos dezoito anos meu pai me deu um “se vira, malandro”, ou seja, a partir dali eu estava por minha conta. Logo fui chamado para ser professor e segui essa carreira por mais de quarenta anos. Comecei a lecionar aos dezoito e parei aos sessenta e um. Foi um belo trabalho, eu sei, não o faço mais. Agora conto histórias e estórias de outras formas: principalmente escrevendo. Se terei público eu não sei, mas quero continuar contando histórias enquanto eu for vivo. Quero manter e aumentar estas oportunidades.
Terceiro, eu tenho muitos afetos. A dar e a receber. Eu tive dois casamentos que fracassaram por inabilidade minha, por culpa minha, embora não exclusivamente. Já perdi o afeto delas e perdi também o afeto de alguns filhos. Hoje eu tenho dois filhos, dois netos, ainda uma mãe, vários irmãos, sobrinhos e alguns bons amigos. E, de repente, uma nova filha apareceu em minha vida e me dá um carinho sem tamanho (agora são três filhos, então). Quero tê-los a meu lado. Todos. Quero ter todos os afetos comigo. E por perto, se possível. E se estiverem longe fisicamente, que estejam perto, em minha mente.
Quarto, eu não tenho muito dinheiro. Tenho uma aposentadoria que me garante a sobrevivência com dignidade, mas deixei para trás meu patrimônio construído com muito trabalho. Não me importo muito com bens, meu maior bem é minha vida. No entanto, eu poderia estar muito melhor financeiramente se soubesse e me dedicasse a cuidar mais de minha vida ou, como dizem hoje, de minha saúde financeira. Não fiz isso. Hoje as chances são ainda menores de criar novo patrimônio. Só tenho como bens, poucas coisas, que cabem no baú de um caminhão de mudanças. Só isso. Penso até em comprar um caminhão e morar nele, tantas mudanças eu já fiz e ainda vou fazer. Então, quero manter minha saúde financeira atual, por mais débil que ela seja. E, quem sabe, ganhar ainda um pouco de dinheiro, e ainda construir um patrimônio sólido.
Quinto, eu sou um homem muito tranquilo, inteligente, de bom humor. Consigo sair de situações complicadas da vida com elegância e sabedoria. Já me afundei muitas vezes e, até hoje, consegui me levantar de novo. E consegui manter minha calma, consegui manter meu olhar na busca da profundidade das coisas. E minha alegria. Minha alegria, minha calma, minha inteligência são meus maiores patrimônios. Eu resumiria isso definindo-me como um homem sábio. E isso eu quero manter, sempre. Minha sabedoria. Essa ninguém me tira. E quero manter minha lucidez, para manter minha sabedoria.
Resumindo, tenho cinco pontos, características, patrimônios, que quero manter sempre comigo e me lembrar sempre de nunca me esquecer de me lembrar o quão importante essas coisa são: o tempo e a vida que ainda tenho pela frente, com saúde; as histórias que conto e que ainda tenho para contar, em vários suportes diferentes; os afetos, todos os afetos que guardo comigo, inclusive recuperar os afetos perdidos; minha saúde financeira, que quero melhorar, sem dúvida; minha sabedoria, alegria e bom humor. Simples? Sim, simples assim.

 
Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 26/02/2021
Código do texto: T7193941
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