IMBECILIDADES

PÉROLAS DO DIA A DIA

Nelson Marzullo Tangerini

Um dia desses, peguei um Uber em Cascadura com destino ao Encantado.

Conversa vai, conversa vem, o assunto acabou sendo a covid.

Fiz críticas ao atual governo e o motorista se declarou bolsonarista. Mostrou-se negacionista e disse que não vai tomar a vacina do Dória, aquele comunista amigo da China.

Interessante: através dele, fiquei sabendo que Dória é comunista.

Quando comentei sobre o ministro da saúde que não tem noção alguma de medicina, ele tentou me convencer de que o General Pesadelo é médico.

Disse-lhe que sou jornalista e que ele estava engando; que sua informação era incorreta.

Ele continuou afirmando que o general é médico, que havia encontrado esta informação na internet.

- Fake! – respondi com ironia.

Irritado, saiu-se com essa:

- É melhor não discutirmos. O senhor é comunista e eu sou de direita.

- Em momento algum disse ao senhor que sou comunista.

E ele prosseguiu:

O senhor é jornalista, é comunista.

...

Tenho um amigo professor que insiste em dizer que sou comunista. Porque não concordo com o governo Bolsonaro, sou comunista.

Quando discutimos sobre a vacina [Coronavac], ele disse que não tomaria. Por dois motivos: é chinesa e é a vacina do Dória.

Disse-lhe que tomaria a vacina e ele tornou a me chamar de comunista.

Com palavras de baixo calão, próprias de um bolsomínion ensandecido, ele resolveu me xingar:

- Vai, toma a vacina do Dória. E dá o c... para ele, aquele comunista.

- Não sou comunista.

- É comunista.

Perdi a paciência e lhe disse:

- E você é fascista.

- Prova que sou fascista! Eu não merecia isto de tua parte.

- Eu também não merecia este xingamento de tua parte.

Avaliemos este professor: é católico fervoroso e convicto, é a favor da pena de morte, diz que nunca houve ditadura no Brasil e que, no “governo militar”, ele andava tranquilo pelas ruas do Rio.

...

Caminhando um dia desses pelas ruas da Piedade, eis que volto a me encontrar com aquela ex-professora e ex-diretora bolsonarista (e espírita kardecista) já citada numa crônica anterior.

- Olá, como você está? Faz tempo que não o vejo.

- Estou bem, embora esteja fazendo tratamento contra o câncer. Serei operado em breve, mas o médico que me acompanha quer que eu me vacine primeiro.

Torcendo o nariz, a professora prosseguiu:

- Você vai se vacinar? Eu não me vacinaria. Não confio nessa vacina. Aliás, eu a chamo de vaxina.

Encerrei a conversa dando-lhe uma cutucada.

- Sim, vou tomar a vacina. Eu não recebo ordens do presidente.

E segui em frente, em direção à minha casa.

...

A um amigo advogado e fundamentalista que vive me enviando posts a favor de Bolsonaro, enviei-lhe uma foto de Queiroz abraçado com Daniel Silveira, aquele que pede a volta do AI-5. Ambos sorriam na foto; estavam certos de que escapariam impunes de processo e prisão. Abaixo da foto, a frase: “Você conhece esses dois? São pessoas do bem”.

Sua resposta foi imediata:

- Dois patriotas!

...

Citei quatro exemplos de imbecilidade. Poderia deixar essas pérolas se perderem no vento e no tempo, mas resolvi registrá-las. Enquanto isto, vou imaginando o que teremos pela frente, em futuro próximo: a volta da ditadura, do neofascismo, pelas mãos sujas de um homem que idolatra a tortura e tem Ustra, um terrível torturador, como ídolo.

Devo ser pessimista? Drummond confessou, certa vez, que ser pessimista é muito chato. Mas se o poeta estivesse ainda entre nós, o que ele escreveria sobre tudo isso que estamos passando?

Estranho, esse papel do escritor: de transformar a imbecilidade em literatura.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 24/02/2021
Código do texto: T7192078
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