Processo Seletivo
- Pode passar o Sr. Brasilino – chamou a recepcionista, mostrando certo desdém pelo nome do homem, vestida num conjunto bege muito justo, cabelos escovados, maquiagem perfeita, vaidosa a ponto de se olhar no reflexo da parede de acrílico que a cercava e ajeitar as melenas. Uma legítima representante da geração “quero ser modelo no futuro” ou então “quero ser atriz da Globo”.
O Sr. Brasilino adentra na sala, onde o entrevistador está postado atrás de uma escrivaninha moderna, olhando para a tela de LCD do seu computador, sem sequer considerar a sua presença. O entrevistador dirige-se ao candidato com uma arrogância afetada, própria de quem trabalha num lugar que considera de elite e é obrigado a tratar com um público de “menor categoria”, como alguns atendentes de lojas de roupas de grife ou de irritantes lojas de telefones celulares.
O entrevistador explica ao candidato Brasilino que faz apenas uma entrevista para uma pré-seleção. A seleção final será feita pessoalmente pelo empregador, que conversará com os candidatos pré-selecionados.
O entrevistador pergunta ao Sr. Brasilino seus dados pessoais e logo passa ao principal: quais as suas experiências profissionais?
O Sr. Brasilino responde:
- Bem, ultimamente estive trabalhando numa companhia de laticínios. Fui, por muitos anos, responsável pela dosagem da água oxigenada na conservação do produto. Eu recebia as instruções de um químico contratado pela empresa, que descobriu uma fórmula muito econômica para conservação do leite em embalagem de caixinha. Era uma espécie de segredo industrial que tive que guardar. Sou de confiança. Só saí da companhia agora porque a Polícia Federal fechou a fábrica alegando que a água oxigenada fazia mal para a saúde. Uma injustiça. Eu mesmo tomava o leite, se bem que só de vez em quando, porque era caro, mas nunca passei mal. Fiquei desempregado novamente. Na minha idade fica cada vez mais difícil conseguir um emprego...
- Antes deste emprego, continua o Sr. Brasilino, eu trabalhava de motorista num banco de financiamento para aposentados. Transportava a gerente e, de vez em quando, fazia uns carretos para ela. Ia até a Assembléia levar umas malas. Ela me pedia o máximo sigilo, dizia que era segredo empresarial. Sou de confiança, nunca falei nem uma linha, nem para a minha patroa. A gerente foi presa pela Polícia Federal, saiu no jornal e tudo. Tive que depor, pois disseram que as malas que eu entregava eram cheias de dinheiro para políticos. Nunca desconfiei. Eu entregava a um porteiro, junto com um envelope, e ia embora.
- Também trabalhei numa empresa construtora de estradas, que foi fechada pela Polícia Federal acusada de superfaturar as obras públicas. Trabalhei anos no setor de custos. E numa empresa de pedágios, mas a Polícia Federal...
- Acho que é suficiente Sr. Brasilino – diz o entrevistador admirado, mudando de atitude para com o entrevistado – o senhor possui as qualificações mínimas necessárias e já está pré-selecionado.
- O senador irá recebê-lo em seguida...