Eu quero conhecer aquela árvore

Eu estou estou olhando para uma árvore, o sol nasceu farto e permaneceu. Não há uma nuvem. Estou sentada em uma cadeira de praia lilás, meu polegar está parcialmente envolto em um curativo e o chão aos meus pés possuem alguns pingos do líquido da pera que acabei de comer. A árvore que eu olho é a mesma de sempre, aquela na pequena colina que parece lar de uma casa de Hobbit, ainda quero conhecer Hobbiton e talvez observar se poderia construir uma aqui. Mas na verdade o terreno não é meu e essa não é a cidade em que quero morar, talvez não seja nem o país, mas o sonho é alto como o voo dos pássaros que acabam de passar. Por causa do presidente? Não apenas, meu sonho de morar em outro lugar é mais antigo do que o de sair daqui.

Conhecer aquela árvore é um sonho meu, se encontra clara na minha vista, mas há ruas de distância, além da própria elevação do terreno, sem ruas, de plantio. Eu poderia sonhar com dezenas de árvores que minha vista alcança mas elas são todas ordinárias, ou talvez não sejam, e talvez aquela com qual sonho seja ordinária, mas ela se encontra sozinha. Se olho para ela posso esquecer toda a vista que possuo das outras, afastadas por metros de distância. Seu tronco é como um V proveniente do chão que segura uma massa enorme de folhas, olhando assim de longe não posso dizer quais, exatamente, só posso imaginar.

Meu sonho é conhecer a árvore, ou talvez essa seja apenas a verdade que eu projeto com o soar da minha voz. Porque a verdade mesmo é que gosto apenas da ideia de que conhecer a árvore seja o sonho. A verdade é que não quero conhecê-la mais do que já conheço pois é o suficiente, eu não quero chegar perto e sentir seu tronco áspero nos meus dedos, e não quero vê-la de outro ângulo, não quero ver a cidade estando encostada nela e não quero saber de que cor ela fica na parte de trás quando o sol nasce. Não quero saber de quem é o terreno a qual ela pertence e não quero andar descalça pela plantação que a cerca, não quero nem saber por qual estrada eu chego para conhecê-la. Não quero descobrir que tipo de árvore é, nem quero deitar no chão e olhar como ela é de baixo, ou sequer passar de avião e de repente descobrir como ela é de cima. Eu não quero conhecê-la de nenhum outro modo senão o que já conheço porque tenho medo de destruí-la, ou na verdade tenho medo de que o que imaginei sobre ela seja muito melhor do que o que ela realmente é. Tenho medo de que o sol da manhã a deixe pálida e que a estrada que me levaria até ela seja cheia de pó e desilusão, que tire de mim a ideia de ser inalcançável que ela tem. Tenho medo de descobrir que a visão que ela tem do meu lar seja patética comparada ao olhar que eu tenho dela. Tenho medo de que quando me olhe de pertinho eu pareça ainda menor do que sou com a distância entre nós porque verá que sou tão imperfeita que na verdade pareço quebrada.

Na verdade tenho medo de que se eu tiver mais de uma perspectiva eu de alguma forma mudarei toda a resplandecência que ela já me trouxe em mais de dez anos que a vejo assim.

É verdade também que não poderia dizer que não quero conhecê-la se não tivesse pensado milhares de vezes no assunto, não poderia tê-la imaginado de 360° graus diferentes se não amasse e quisesse descobrir como ela é com meus dedos, mas a ideia que tenho dela será com cem por cento de certeza melhor do que seus traços reais. Preciso apenas do sonho de conhecê-la, e não de conhecê-la realmente, o que me mantém viva é a idéia de realizar o sonho, e não exatamente o “realizar” dele. Então preciso do sonho de conhecer a árvore, não preciso conhecer a árvore.

Com a árvore eu faço um paralelo com tudo que acontece na vida de um ansioso cheio de imaginação. Sei disso e posso dizer por experiência própria e com exemplos de todas as festas que já planejei, posso dizer que os planos que faço são muito melhores do que a festa em sí, todos os detalhes, a diferença é que a festa é real e é por isso que lembrarei dela. Se a festa for ruim e a árvore for feia não terei como apagá-las da cabeça e lembrar só do planejamento ou de apenas um lado da árvore, por mais que esse eu tenha conhecido por 10 anos e os outros por alguns minutos.

Eu gosto de planejar, de escolher cores, flores, pessoas e sensações, gosto de escolher os lugares e as roupas, gosto de escolher meus sonhos e de como possivelmente os realizaria, gosto mais de me imaginar viajando e dançando do que dos momentos reais enquanto acontecem.

Minha cabeça cria cenas como num filme digno de Oscar e ainda melhores e mais bonitos, ela me faz passear no mundo todo, e conhecer o que, e quem eu quiser, por vezes isso me deixa confusa ou sonhadora demais, e talvez isso atrapalhe meus sonhos quando eu for realizá-los, se fosse um grande problema alguém teria que me apagar até o ponto que eu estou com o vestido ou embarcando no avião, para que eu não sonhasse antecipadamente, por outro lado eu não teria sonho nenhum se não fosse capaz de imaginá-los, se eu não imaginar uma viagem incrível por que teria vontade de viajar? Se eu não imaginasse uma dança com meus melhores amigos por que eu faria uma festa? Eu tenho que me permitir sonhar.

E se eu conhecer a árvore, com o que vou sonhar quando sentar na minha cadeira, o que vou imaginar se já conheço tudo? Posso descobrir uma árvore linda, mas deixarei de sonhar com ela, e eu não quero parar de sonhar com ela ou de imaginá-la.

A minha cabeça me assusta, às vezes, me faz ter pesadelos enquanto durmo, e o triplo deles enquanto acordada. Mas ela também imagina os melhores cenários, cria os melhores diálogos, lembra dos melhores cheiros e reproduz uma réplica diária do que é meu próprio paraíso. E ela pode ser o lugar mais assustador, mas também é o lugar mais bonito do universo inteiro.

Kai Czornei
Enviado por Kai Czornei em 23/02/2021
Código do texto: T7191461
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