Corpo
Nietzsche afirmava que o corpo humano tem vontade própria. Uma linguagem indecifrável à cultura moral. Por mais que queiramos censurar suas vontades instintivas falhamos. Dos esforços morais metafísicos (religiosos) até às ciências disciplinares pedagógicas e de controle médicos, o corpo sempre resiste às políticas de controle. Qual a santa ou o santo do moralismo que não foram perturbados por vontades no seu corpo inconfessáveis? Nos sonhos o corpo também sempre humilha nossa frágil moral. Quem já não sonhou sonhos irreveláveis? A vontade no corpo se liberta quando a moral dorme. Freud leu tão bem Nietzsche ao desvelar os nossos inconscientes desejos. O corpo sempre encontra uma forma de escapar as proibições externas. A histeria e a sublimação são manifestações de como o corpo pode responder as pressões de uma vida civilizada. Ora se manifestando de forma doentia ou criativa, o corpo sempre encontra uma maneira de se libertar dos controles civilizatórios. Nietzsche, com o conceito de vontade de potência e, depois Freud, com o conceito de pulsão, descobriram que não mandamos no corpo; é ele que está no comando. Claro que ninguém confessa tamanha fraqueza. No teatro social da vida precisamos manter as aparências da autonomia. Mas da infância a velhice, o corpo sempre declara que é ele que dirige nossas vidas. O confinamento obrigatório ao corpo, na medida que vai se alongando no tempo, irá protegê-lo do vírus, mas certamente irá adoecer dos afeitos colaterais das medidas restritivas necessárias. Talvez com criatividade o corpo encontre novas formas de sublimação diante das proibições. É certo que se os ambientes domésticos não se tornarem um ateliê artístico, as histerias poderão se manifestar no corpo de forma visível à toda vizinhança e também em nossas casas.