Morte
Não era este o assunto da crônica que eu queria postar. Tinha em mente um assunto mais ameno. O cotidiano nosso já é tão noticiado com imagens de cadáveres de vidas que foram roubadas pelo maléfico vírus Covid-19. Tais imagens mortíferas nos causam emoções tristes demais. Já a morte voluntária, o suicídio, além de tristeza também nos causam reflexões. A morte do ator Flávio Migliaccio me comoveu. Não tanto pelo ato de cessar a própria vida, mas ao recado que deixou na carta pública antes de partir. A morte sempre chega, ela nos encontra pelos caminhos da vida de forma inevitável. No entanto, ir ao encontro dela de maneira deliberada, não é prá todos, mas é humano também tal ato. Não podemos escolher nascer, mas podemos não querer viver. E as razões de não querer viver também são muitas. Quem pelo menos, em pensamento, não flertou em cessar a vida? Quem não teve seus abismos e não olhou precipícios? A carta pública do ator Flávio Migliaccio revelou seu limite. O limite do que, para ele, a vida pode ser suportável. Um ser humano que sentiu o peso da humanidade que como ele diz: "não deu certo". Não cabe a nós dizer se esta é uma razão plausível de justificativa para não querer mais viver. Penso que este limite somente ele poderia deliberar. Mas em outro trecho da carta do ator, me faz pensar que, em parte, o nosso país é responsável pelo desenlace do suicídio. A velhice desrespeitosa, o "tipo de gente" que está em evidência hoje e a sensação de uma vida jogada fora. Sim, o cenário social, cultural e político do Brasil atual frustrou uma vida toda de dedicação a arte. O ator olhou para trás e avaliou com desilusão e frustração o lugar que chegou. Será só ele que percebeu com intensidade tal verdade sobre o Brasil? Acho que não. Nós também. Mas como ele disse: "me desculpem, mas não deu mais". Despediu-se educadamente de um país deseducado. Viu nas crianças a esperança de um novo recomeço. Com toda mágoa da vida ainda restou-lhe o humanismo de esperança nas crianças, mas nele não mais, o cansaço de viver consumiu qualquer esperança de viver.