SEU MADRUGA
Um dia desses, sozinho em casa e com tédio, espantei-me ao ouvir minhas próprias risadas ecoar pelas paredes. O motivo? Uma magistral piada que acabara de ouvir na televisão. No programa do Chaves.
Não, precipitado leitor, não julgue esta crônica como o desprezível fruto de uma mente imbecilizada. Eu quase nem vejo TV; naquela noite eu a ligara e, pulando de canal em canal, dei com o Chaves. Eu posso apostar que você também gosta, ou já gostou, pra caramba do Chaves, então não me venha com hipocrisia.
A tal piada, que animara meu espírito e dissipara a densa névoa da angústia existencial, fora contada pelo Seu Madruga.
Sempre gostei mais do Seu Madruga. Entre todos os personagens da série, acho que é o mais humano. Por trás daquela aparência esquálida está uma nobre alma que evoca na gente sentimentos profundos. Não nos faz pensar nas dificuldades que um pai tem de enfrentar para prover o sustento da família? O Seu Madruga já foi carpinteiro, sapateiro, toureador, vendedor de churros...
Ele também ensina grandes lições de humildade por nunca se vingar das petulâncias da Dona Florinda, preferindo expressar sua raiva de maneiras construtivas, como fazer caretas e pisotear o próprio chapéu. Atitude nobre resumida em sua antológica máxima: "a vingança nunca é plena: mata a alma e a envenena".
Acho muito sem graça aquele romance entre a Dona Florinda e o Professor Girafales, sempre com aquela mesma música e movimentos coreografados. Por outro lado, a paixão do Seu Madruga pela Glória, tia da Paty, é singela e comovente como um drama shakesperiano.
Eu poderia falar muito mais sobre os muitos aspectos desse complexo personagem, ou dos outros, mas como isso é uma crônica, paremos por aqui. Quero apenas enfatizar que coisas como aquela antiga série mexicana serão, no futuro, ainda mais do que hoje, retratos de uma época em que a simplicidade e a despretensão faziam parte de tudo aquilo que mais apreciávamos.