Sarau do Armando Taminato, Bar Brahma e o poeta de "trato difícil"
Em uma noite de outubro de 1991, eu havia participado de um sarau , no anfiteatro da União Brasileira de Escritores (UBE),na República, em São Paulo, convidada por Armando Taminato. O Armando Taminato eu conhecera nas reuniões literomusicais organizadas pelo poeta Wilson de Oliveira Jasa, um raro reduto da época para a poesia e outras artes.
Após o final do evento, eu e meu marido ficamos aguardando na antessala do anfiteatro o Armando e mais alguns amigos que estiveram no sarau, porque o convite incluía uma esticada ao Bar Brahma . Esse icônico bar, fundado em 1948 por um imigrante alemão, na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, símbolo da boemia paulista, naquele ano já acompanhava a decadência do Centro paulista e acabaria fechando as portas, mas com duas posteriores reaberturas, permanecendo ativo até hoje.
De repente, eis que surge e se senta ao nosso lado uma figura franzina, óculos de aro escuro e a palidez dos intelectuais que nunca tomam sol. Timidamente nos ofereceu o seu livro de poesia" Só Matéria do Mundo", recém-publicado pela Editora Cortez. Havia recebido algumas dezenas de exemplares como pagamento dos direitos autorais.
Compramos o livro. Depois de trocar umas poucas palavras conosco, enquanto autografava o livro, sugeriu que fôssemos os três a um bar para conversar um pouco mais. Expliquei a ele, um pouco atônita, que já estávamos comprometidos com a ida ao Bar Brahma, mas que seria um prazer se ele aceitasse se juntar ao grupo e ir conosco.A resposta foi um não seco. Assim não seria possível. Levantou-se e se despediu. Deixou o telefone do seu editor para , talvez, um posterior contato. O seu estava com a linha cortada.
No dia seguinte li o livro "Só Matéria do Mundo, de Vicente Cechelero, o rapaz do singular contato na UBE. Gostei muito do livro. Os poemas lembravam um pouco os de Federico Garcia Lorca, talvez uma influência.
Tentei contatá-lo e adquirir com ele mais alguns exemplares para presentear meus alunos das classes de Ensino Médio em que eu atuava como professora de Literatura naquele ano. Liguei para o número de telefone que ele fornecera. A editora informou que o escritor vivia recluso e não aparecia por lá há muito tempo.
Quase três décadas se passaram. O livro ficou na nossa estante de casa. De vez em quando eu relia algum poema. Em 2018, meu filho acordou no amanhecer e surpreendeu raios de sol , atravessando por uma pequena janela , numa saleta do andar de cima do nosso sobrado ,e incidindo sobre as cordas da harpa ,que fica sobre uma mesinha. Fotografou a cena.
Para acompanhar a publicação da foto nas redes sociais, voltei ao livro de Vicente Cechelero em busca do poema " A um músico anônimo" . Foi aí, então, que, relembrando o episódio do encontro na UBE, senti curiosidade para saber mais sobre o poeta. Pesquisei na INTERNET. Encontrei sua biografia e algumas publicações sobre ele e sua obra. Foram apenas dois livros publicados , mas recebeu prêmios importantíssimos com eles. Embora tenha trabalhado fazendo resenhas para a revista Isto É e para a Folha de São Paulo sua morte não foi noticiada por esses veículos de comunicação. Morreu aos 50 anos, em 16 de abril de 2000, em Santa Catarina, onde nascera, em visita aos familiares.
A poeta Erorci Santana, no Jornal da UBE de outubro de 2002, escreveu sobre ele :" Ser inquieto e de trato difícil, Vicente não tolerava a mediocridade e nem conseguia disfarçar o seu desprezo pelos que considerava medíocres. Essa incapacidade diplomática o deslocava do mundo, traçava ao seu redor um cordão de isolamento do comum dos mortais."
Naquela noite de 1991, nove anos antes da sua morte, aquele intelectual " de trato difícil" , com especialização em Filologia na Espanha, tradutor e revisor, desejou "conversar um pouco mais" com esses dois "comuns" e desconhecidos "mortais", eu e meu marido Luiz. Sabe-se lá por quê...
Em uma noite de outubro de 1991, eu havia participado de um sarau , no anfiteatro da União Brasileira de Escritores (UBE),na República, em São Paulo, convidada por Armando Taminato. O Armando Taminato eu conhecera nas reuniões literomusicais organizadas pelo poeta Wilson de Oliveira Jasa, um raro reduto da época para a poesia e outras artes.
Após o final do evento, eu e meu marido ficamos aguardando na antessala do anfiteatro o Armando e mais alguns amigos que estiveram no sarau, porque o convite incluía uma esticada ao Bar Brahma . Esse icônico bar, fundado em 1948 por um imigrante alemão, na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, símbolo da boemia paulista, naquele ano já acompanhava a decadência do Centro paulista e acabaria fechando as portas, mas com duas posteriores reaberturas, permanecendo ativo até hoje.
De repente, eis que surge e se senta ao nosso lado uma figura franzina, óculos de aro escuro e a palidez dos intelectuais que nunca tomam sol. Timidamente nos ofereceu o seu livro de poesia" Só Matéria do Mundo", recém-publicado pela Editora Cortez. Havia recebido algumas dezenas de exemplares como pagamento dos direitos autorais.
Compramos o livro. Depois de trocar umas poucas palavras conosco, enquanto autografava o livro, sugeriu que fôssemos os três a um bar para conversar um pouco mais. Expliquei a ele, um pouco atônita, que já estávamos comprometidos com a ida ao Bar Brahma, mas que seria um prazer se ele aceitasse se juntar ao grupo e ir conosco.A resposta foi um não seco. Assim não seria possível. Levantou-se e se despediu. Deixou o telefone do seu editor para , talvez, um posterior contato. O seu estava com a linha cortada.
No dia seguinte li o livro "Só Matéria do Mundo, de Vicente Cechelero, o rapaz do singular contato na UBE. Gostei muito do livro. Os poemas lembravam um pouco os de Federico Garcia Lorca, talvez uma influência.
Tentei contatá-lo e adquirir com ele mais alguns exemplares para presentear meus alunos das classes de Ensino Médio em que eu atuava como professora de Literatura naquele ano. Liguei para o número de telefone que ele fornecera. A editora informou que o escritor vivia recluso e não aparecia por lá há muito tempo.
Quase três décadas se passaram. O livro ficou na nossa estante de casa. De vez em quando eu relia algum poema. Em 2018, meu filho acordou no amanhecer e surpreendeu raios de sol , atravessando por uma pequena janela , numa saleta do andar de cima do nosso sobrado ,e incidindo sobre as cordas da harpa ,que fica sobre uma mesinha. Fotografou a cena.
Para acompanhar a publicação da foto nas redes sociais, voltei ao livro de Vicente Cechelero em busca do poema " A um músico anônimo" . Foi aí, então, que, relembrando o episódio do encontro na UBE, senti curiosidade para saber mais sobre o poeta. Pesquisei na INTERNET. Encontrei sua biografia e algumas publicações sobre ele e sua obra. Foram apenas dois livros publicados , mas recebeu prêmios importantíssimos com eles. Embora tenha trabalhado fazendo resenhas para a revista Isto É e para a Folha de São Paulo sua morte não foi noticiada por esses veículos de comunicação. Morreu aos 50 anos, em 16 de abril de 2000, em Santa Catarina, onde nascera, em visita aos familiares.
A poeta Erorci Santana, no Jornal da UBE de outubro de 2002, escreveu sobre ele :" Ser inquieto e de trato difícil, Vicente não tolerava a mediocridade e nem conseguia disfarçar o seu desprezo pelos que considerava medíocres. Essa incapacidade diplomática o deslocava do mundo, traçava ao seu redor um cordão de isolamento do comum dos mortais."
Naquela noite de 1991, nove anos antes da sua morte, aquele intelectual " de trato difícil" , com especialização em Filologia na Espanha, tradutor e revisor, desejou "conversar um pouco mais" com esses dois "comuns" e desconhecidos "mortais", eu e meu marido Luiz. Sabe-se lá por quê...