O Artista
Mauro. Era esse seu nome. Artista Plástico. Formado pela Faculdade de Belas Artes, com especialização em Barcelona, na Espanha. Mas lógico, não conseguia viver da arte, por isso trabalhava como comprador numa Construtora na Capital, na primeira parte da década de 1980. Meio hippie, eternas calças US Top e camisetas de malha, tanto coçava a barba como a virilha em qualquer lugar que estivesse. Rude. Era uma pessoa rude. Como muitos homens naquela época.
Contratou a menina como secretária porque ela usava saias curtas. Ela nunca fora secretária, não sabia nem o que era uma nota fiscal! Perguntou se ela sabia fazer isso, aquilo, aquilo outro e a cada negativa ele dizia - não tem problema. Você aprende! Ao final da entrevista avisou que estava contratada. Ficou até assustada com a rapidez, mas feliz. Precisava muito trabalhar. A mãe já avisara que se não trabalhasse, teria que arranjar um marido pois não poderia continuar sustentada pelos irmãos. Sabia também que teria que voltar a estudar, mas sem trabalho não poderia pagar pelo estudo. Tinha que conseguir um trabalho naquela semana! E Graças a Deus, conseguira.
Passou o final de semana pensando no emprego novo. Não contou nada em casa. Se contasse e o emprego não fosse bom, não desse certo, viriam as cobranças. Aprendera desde cedo a contar coisas somente depois que estivessem concretizadas – ou viravam piadas entre os irmãos, ou, o que era pior, cobranças nos olhares da mãe. Mas tudo bem. Eles estavam certos. Dezenove anos e não sabia o que fazer da vida! Pensou no que vestir, o que fazer com o cabelo rebelde, e qual seria a melhor condução. Já estava praticamente sem dinheiro desde o último emprego. Vivia catando moedas em casa para pagar a passagem. Falaria que ia procurar emprego. Uma semana seria suficiente pra ver se daria certo. Se não era nenhuma roubada como fora o último emprego. Tinha sonhado que teria sucesso com as tais vendas, mas nada dera certo.
Levantou bem cedo, colocou a roupa escolhida. Precisava aparentar seriedade no primeiro dia. Café puro. Pegou a bolsa e saiu. Não sabia quando iria comer. Sabia que teria um auxílio para refeição, mas não quando o receberia. Bom, pelo menos o jantar estaria garantido a noite. Tomaria água durante o dia. Mas não foi preciso tamanha dieta. Recebeu logo cedo os tais tickets para almoçar. Descobriu que com eles, poderia comprar uma pizza brotinho, ou dois pastéis no Pastel Quente. Santo lugar! Rua São Bento, quase esquina com a rua Direita! Seria sua referência alimentar por quase dois anos. Gostou tanto do trabalho que no mesmo dia contou para a mãe toda feliz que conseguira um emprego, já para começar no dia seguinte. Recebeu a recomendação de sempre: “Vê se agora pára no emprego.”
Logo nos primeiros meses de trabalho, percebeu que o Artista não gostava que ela conversasse com os rapazes do escritório, e, menos ainda, com os rapazes das obras. Mas fazer o quê? Eles puxavam conversa, e ela não perdia uma boa história sobre futebol, livros e música clássica! Música Clássica sim senhor! Foi na lojinha de discos incrustada no Largo do Café que ouviu pela primeira vez o Bolero de Ravel. E muitas outras. E o Artista descobriu que ela gostava de música clássica. Que gostava de Vivaldi, Brahms, Bach, Schubert e tantos outros. E aí, o Artista começou a pensar que poderia se apoderar dela. Que poderia se alimentar de sua juventude, inocência, castidade. Quase conseguiu. Quase! Só que não!
Era uma empresa com faixa etária acima dos quarenta anos - exceção feita à ela e aos rapazes! E aquela era a década do gostei, peguei. Foi uma luta desigual. Aos poucos ele lhe trazia livros. Clássicos da literatura mundial. Falava-lhe sobre os grandes artistas, sobre história, sobre política. Ensinou-lhe sobre o Comunismo. Sobre os Partidos Trabalhistas ao redor do mundo. Dava-lhe caronas. Isso era bom porque ao final da tarde, voltar do Centro velho até quase o extremo da Zona Leste usando saias curtas e os saltos altos no ônibus, era uma desgraça! Então, quando ele lhe oferecia uma carona de carro, ou mesmo na lotação, ela prontamente aceitava. Mas não tinha noção que teria que pagar de alguma forma. E a cobrança despontava pérfida. Ela não percebia que era por sua causa que ele expulsava todos que encostavam no balcão para lhe falar. Até mesmo os Conselheiros.
Até que ele não resistiu. Chamou a menina para a sala de reuniões em um sábado que todos já haviam saído, trancou a porta, e quis saber porque ela estava dificultando as coisas! Procurou sentar longe dele na longa mesa de madeira maciça, e entender o que ele queria dizer. Estava furioso! E durante duas longas horas fez jogo de palavras. Em nenhum momento foi explícito, porém sua cabeça rodava tanto, que se ele explicasse ela não entenderia. Sentava-se na cadeira ao lado e inseria sua perna por baixo da perna dela, que levantava e ia para o outro lado. Então ele começou a empilhar as cadeiras uma sobre as outras, até que não sobrara mais nenhuma para sentar. Estava com fome, com sede, e a cabeça a doer além dos pés sobre os saltos. Já não conseguia mais enxergar as coisas com clareza, e ele continuava com a conversa que ela não entendia. Mas ela entendia – ele era pelo menos 18 anos mais velho, era seu chefe, casado, com dois filhos, e queria sexo com ela. E em dado momento perguntou se o que ele queria era sexo. Ficou bravo. Esmurrou a mesa, disse que havia tentado de tudo para mantê-la no emprego, mas não seria mais possível. Deveria subir ao RH e assinar sua demissão. Ficou mais chocada quando chegou ao sétimo andar e o sujeito do RH lhe estendeu uma carta de demissão pronta para ser assinada. Não teve dúvida - o emprego fora só uma porta para o sexo! Sem sexo não havia emprego. O problema era chegar em casa e explicar para a mãe que estava novamente desempregada!