O enfermeiro Cabo Chico
Isto foi lá pela metade da década de 50. A doença de uma criança era sempre a febre. Os pais ficavam logo desesperados e partiam para as providências, que podiam ser algum chá, toalhas molhadas sobre o corpo e muito repouso. Em minha casa a doença era mal vista. Quando eu ou meu irmão tínhamos febre, logo o meu pai dizia: Vou chamar o Cabo Chico. Até hoje não sei se esse Cabo era por alguma ligação com a Polícia ou o Exército ou se era mesmo o nome do enfermeiro. Por falar nisso, na Rua Laranjeiras tivemos também uma senhora que era enfermeira. Era a Inês, que tinha dois filhos com um senhor de nome Rosalvo. Inês era muito querida, mesmo aplicando injeções em nossos braços ou na bunda. Que tempo bom, a gente ficava logo curada com tão pouco. Mas, voltando ao Cabo Chico, era um senhor de pele morena, estatura mediana, muito simpático, usava sempre um terno de linho, o paletó entreaberto. Quando chegava a gente não sabia se tinha medo da agulha ou se ficava alegre em ver o enfermeiro Cabo Chico. Era agradável mesmo aquele sujeito que nós, crianças, o sentíamos um médico ou mesmo um santo. Santo Cabo Chico. Por falar em médico, o nosso era o famoso Dr. José Machado de Souza, para quem bastava olhar e já o paciente se sentia bem. O Cabo Chico tinha uma maletinha preta, como as dos médicos daquela época longínqua. A partir dali seguia-se todo um ritual. O enfermeiro retirava da maleta um estojo, abria-o e de dentro retirava uma pequena armação que ajeitava como uma espécie de fogareiro, colocava álcool e ateava fogo, fervia a seringa, agulha, etc. Depois de pronto o protocolo, segurava as partes daquele objeto e abria o frasquinho de Penicilina (tudo era Penicilina), levantando um pouco as mãos, olhava na direção da luz e enfiava a agulha na tampa borrachuda do frasquinho de onde ia puxando o líquido. Às vezes repetia a operação, devolvendo o líquido ao frasquinho e puxando-o outra vez. A gente já ia se preparando entre o temor e a curiosidade. Vamos lá? Perguntava o Cabo Chico, os nossos pais observando. Deitados na cama e com a bunda para cima, fechávamos os olhos, era o bastante para como num passe mágico, o enfermeiro aplicar a injeção. Rapidinho, um chumaço de algodão com álcool para friccionar o local da furadinha. Pronto, a febre fugia imediatamente. Cabo Chico, depois de algum diálogo, fugia também, até que fugiu de vez e nunca mais soubemos dele. Deve estar em algum hospital no espaço sideral ajudando anjos febris...Saudades, Cabo Chico.