VENENO
Com o tempo, memória e esquecimento travam uma luta ferrenha. Cada um querendo a primazia da ocupação dos espaços. Já que o esquecimento ganha quase sempre, quero pelo menos discernir sobre o que esquecer e o que lembrar. Então, prefiro esquecer datas de aniversários, hora de fazer pequenas e desimportantes coisas, local onde o carro está estacionado, onde ficou a chave, os óculos, a mochila, o tênis para a caminhada, o chapéu, quem mandou bater o portão sem se certificar que a chave da casa está no bolso? Prefiro não esquecer do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. E que olhar! São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Não dá para esquecer.
Com o tempo, memória e esquecimento travam uma luta ferrenha. Cada um querendo a primazia da ocupação dos espaços. Já que o esquecimento ganha quase sempre, quero pelo menos discernir sobre o que esquecer e o que lembrar. Então, prefiro esquecer datas de aniversários, hora de fazer pequenas e desimportantes coisas, local onde o carro está estacionado, onde ficou a chave, os óculos, a mochila, o tênis para a caminhada, o chapéu, quem mandou bater o portão sem se certificar que a chave da casa está no bolso? Prefiro não esquecer do sorriso, da voz, da boca no momento do beijo, da língua que passeia sorrateira pelo corpo, como uma serpente escolhendo o local onde meter o veneno, do olhar. Ah, do olhar. E que olhar! São sempre dos olhos que me lembro. Aquele olhar que me procura, assim, olhando de esquina, fingindo que não procura, não olha e não vê. Não dá para esquecer.