O MEU SONHO DE MORADA

O MEU SONHO DE MORADA

Uma morada na beira do lago

Autor: Moyses Laredo

Imaginem às margens do grande e imponente rio Negro, no Amazonas, em qualquer lugar longe da civilização, onde uma língua do próprio rio, penetrasse na mata por um longo e sinuoso caminho, para ao final, desembocar num pequeno lago em forma de um balão, como dizem os franceses “col-de-sac” (fundo do saco) mostrando uma orla de areias brancas emolduradas pela negritude de suas águas. Nesse lugar imaginário, à sombra de uma frondosa árvore, ali construiria minha casa, de madeira coberta com telhas de alumínio para ouvir o barulho das chuvas, suspensa do chão, por grossos e altos barrotes, para não abafar a terra, deixá-la livre para respirar. A casa seria toda avarandada a arrodeá-la, assim, poder-se-ia contemplar a natureza de todos os ângulos, ouvir o silêncio da mata, só rompido pelos cânticos dos pássaros em liberdade. Teria tudo nela, quarto, sala, cozinha e um fogão à lenha, nada de muita modernidade, somente um painel solar fotovoltaico de 150w, bastaria para acender as lâmpadas de Led, sintonizar o radinho nos chamados locais, ligar o notebook, recarregar o celular, fazer funcionar a bomba d’água e girar um discreto ventilador de teto, para as noites de verão e nada mais.

Nesse recanto solitário, na quietude do lugar, a imaginação fluiria, e dali, sairiam histórias maravilhosas que me inundam o pensamento, deixá-las-iam verter ao sabor do tempo, o mesmo tempo estabelecido por Einstein na sua lei da relatividade, onde afirma que não é igual para todos, podendo mudar de acordo com algumas variáveis. Para alguns, passa bem rápido, para outros, lentamente, ficaria com esse último, sem pressa, como dizia um grande amigo “Toda pressa tem vinte e quatro horas”. As histórias surgiriam automaticamente na proporção do desenrolar de cada dia, que por si só, contaria uma experiência diferente, sempre haveria o que escrever, não teria limites e nem falta de assuntos.

Amarrada no pequeno trapiche flutuante da beira, em frente da casa, estaria uma autêntica piroga, canoa pequena feita de uma árvore escavada à fogo, serviria para um deslocamento rápido, é a bicicleta de quem mora nas cidades do interior, ali seria chamada de “montaria” igual chamam os nativos, é leve e de fácil manejo, para usá-la com frequência, é o ideal. A minha, seria batizada de “Rosinha” nombrada em homenagem ao romance de José Mauro de Vasconcelos, “Rosinha, Minha Canoa” publicado em 1962 que combina fantasia e ternura, onde ele conta a singela história de Zé Orocó e sua canoa Rosinha, com quem conversa na sua solidão”. A minha Rosinha, além de me ouvir, também serviria para buscar peixes diferente nas suas tocas e moradas das entranhas das raízes altas. Os peixes andam em bandos (cardumes), cada um com suas próprias espécies, o agrupamento os protege dos predadores, assim, criam-se locais, onde só se pesca um tipo, se você quer pescada, tem o lugar certo delas e assim por diante, o que demora é reconhecer tais esconderijos, mas, para quem se aventurar a viver desse jeito, logo aprenderia.

Da espaçosa varanda, feita da extensão da frente da casa, dali contemplar-se-ia, a visão maravilhosa de todos os pores do sol dos dias, sorvendo numa caneca de esmalte, um fumegante café moído e coado no pano, roendo um beiju, acompanharia o sol a se recolher na preguiça do seu tempo, o Rio Negro, pela acidez de suas águas, (pH entre 3,8 e 4,9, sendo, portanto, ácidas) não se proliferam os carapanãs (mosquitos), essa qualidade, garante o sossego e a calma necessária para a contemplação desse majestoso fenômeno da natureza. Mesmo o sol, com toda magnitude, nunca se põe no mesmo horizonte, sempre alterna de lugar durante o ano, seleciona para nós, as paisagens mais deslumbrantes ao refratar seus raios, na atmosfera úmida da mata Amazônica, como o colorido de um gigantesco caleidoscópio, que nunca se repete, vez por outra, emoldurado por um perfeito e completo arco-íris, donde se vê os dois pontos onde toca a terra. Todo quadro, ainda é enfeitado, quando casais de araras cruzam os céus, retornando aos seus ninhos, com suas vocalizações de praxe, parecendo um dueto vocal (é um tipo de vocalização na qual um casal de aves canta de forma alternada) parecendo, que durante o voo, comentam animadamente os acontecimentos do dia, quem sabe, se a minha casinha, “ali em baixo”, na beirinha do lago, bem na rota dos seus voos, não entra nas suas conversas? É possível! Até o famoso João Guimarães Rosas (1908-1967) escreveu um romance chamado “O grito das araras”.

Enquanto isso, uma linha comprida, sempre dorme na sombra do rio, a espera da captura de um peixe grande, que serviria de escambo no flutuante mais acima, o qual, seria trocado por sal, farinha, óleo, e outros alimentos que ali não se dispõe. A rotina diária sempre seria alterada. Para me exercitar, uma bicicletinha ergométrica faria as vezes das pedaladas nos parques, melhor que isso, aproveitar-se-ia a quietude, o silêncio, o ar fresco de oxigênio puro, as variedades dos cânticos dos pássaros e a presença constante dos macacos-de-cheiro (Saimiri sciureus), que nos visitariam, para entender porque, mesmo pedalando, não saíamos do lugar. Ao me observarem pela primeira vez, teriam o impulso de fugir em desabalada carreira por entre os galhos, mas, vendo que eu não me moveria do lugar, permaneceriam estáticos a observar curiosos aquela coisa estúpida dos humanos.

Tudo é motivo de mudanças na rotina, de vez em quando, saía-se em busca de peixes que lá abundam, os capturaria na medida da necessidade, nada de estoques, ali eles estariam sempre à disposição como um grande e variado supermercado, alguns poder-se-iam defumá-los, outros secá-los ao sol, para os dias de escarces da pesca, ou período de defeso. As redes atadas, na varanda e no quarto, seria um ponto comum, sempre pertinhas de um esteio firme para aguentar as embaladas. As matas forneceriam as palhas para tecer os paneiros, os frutos da bacabeira.

Certa vez, um senhor abastardo, já bem grisalho, do alto do convés do seu Iate, viu um pescador humilde, fisgar um grande peixe e devolvê-lo ao rio, o fez por duas vezes, na terceira, fisgou um menor, quase a metade de um deles que havia libertado. Intrigado o senhor não resistiu e perguntou ao pescador o porquê de ele soltar os maiores e ficar com o menor, o pescador respondeu-lhe de maneira simplista, dizendo-lhe que a família dele era pequena e esse peixe seria o suficiente para alimentá-los. O homem quase teve um surto, espantado quis oferecer uma lição gratuita ao jovem pescador. – “Meu rapaz, se você vender os peixes grandes que pescar, e economizar o bastante, dentro de uns vinte anos você poderia comprar, financiado, um barco como eu comprei o meu e ficar vivendo com liberdade e desfrutando da natureza”. A resposta do pescador foi imediata, - “Mas senhor, eu vivo na maior tranquilidade, pesco quando preciso, não devo nada a ninguém e não preciso esperar vinte anos para ter isso o que tenho agora”. Essa é a essência da filosofia do ribeirinho, que todos sonham como eu, quero viver também assim, sem compromissos e paradigmas a me corroer a mente e reduzir o meu tempo de vida, quero viver no tempo mais longo de Einstein.

Molar
Enviado por Molar em 16/02/2021
Código do texto: T7186188
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