EU SE PERDI..!

Marcio sempre foi o mais sossegado dos meus irmãos. Era o quinto na ordem de chegada ao planeta, uns dez anos mais moço do que eu, e tornou-se o mais alto da família.

Quando ele tinha sete anos, um tio comentou com meu pai que estava querendo comprar uns lotes na praia de Ubatuba, em Santa Catarina. Meu pai achou interessante a ideia, e por estarem ambos com uma graninha sobrando, combinaram uma viagem conjunta pra avaliarem in loco o custo-benefício de eventual aquisição. Aproveitariam a ocasião para levarem suas famílias, as ‘patroas’ para darem (ou não) um ‘amém’ à negociação; e os filhos pra curtirem um fim de semana com a primarada, bem distantes do mal-humorado clima da república de Curitiba.

Não sei como nem por que, mas ainda me lembro do nome do vendedor dos lotes: Sr. Machado. Ele levou-os até o local, enquanto nós ficamos aguardando na praia, pegando um solzinho e tomando banho de mar. À semelhança de meu pai, tio Romeu também tinha seis filhos, ou seja, somados todos os primos, éramos nada menos do que doze abençoados rebentos, todos curtindo extrovertidamente tão belíssima faixa do litoral catarinense.

Porém, um indesejável e inesperado fato aconteceu, e o pânico foi enorme quando demos pela ausência do Marcio. Procuramos aqui e ali, olhamos ao redor, gritamos o seu nome, e nada de encontrá-lo. Imaginem o desespero da minha mãe....

Alguém com a cabeça mais serena conseguiu organizar o caos, com a inestimável ajuda de várias pessoas que se dispuseram a ajudar. Formamos cinco ou seis grupos pra correr toda a extensão da praia, a avenida beira-mar e as ruas transversais mais próximas.

Nesse ínterim, meu pai e tio Romeu regressaram da visita ao loteamento. Tomaram ciência do ocorrido e imediatamente se juntaram às equipes. Nem preciso dizer do tremendo stress e desespero que representaram aqueles agonizantes momentos de busca, quando ninguém conseguia encontrá-lo. Vasculhamos praças, casas, bares e restaurantes. Evocávamos o seu nome com gritos enlouquecidos, que ecoavam em toda a cidade. Até que um morador da cidade nos trouxe uma alvissareira notícia:_”Vi um molequinho na porta da igreja e estranhei o jeito dele, percebi que não era daqui. Mas isso foi o que..? Há uma hora mais ou menos...”. Perguntamos onde era a igreja, ele indicou uma rua afastada da orla. Sem perda de tempo, corremos até lá.

Graças a Deus era o Marcio..! Estava lá, sentado na escada e pálido, totalmente desacorçoado, o pobrezinho. Mas foi lindo de ver a transformação do semblante dele quando nos viu, a felicidade brotou em seu coração e a alegria ficou estampada no rosto. Meu pai e minha mãe então, quando souberam que ele foi achado ileso, ressurgiram das cinzas, reviveram - pois naquelas duríssimas horas que atravessamos não houve quem não tivesse pensado na possibilidade de ter ocorrido o pior.

Mas ali estava ele, intacto, incólume, íntegro! Faminto e carente, é verdade...mas nada que não pudesse ser resolvido através de uma demonstração conjunta de afeto e um almoço festivo no melhor restaurante da cidade.

Como quase tudo na vida tem seu lado engraçado, desta vez não foi diferente. Quando interrogado por meu pai porque saiu assim sozinho e se afastou da família, ele arregalou os olhos e exclamou:

_”Eu se perdi..!”.

Hehehehehe, todos morreram de rir... e rasgaram merecidos elogios por sua espera paciente em um lugar de ótima referência como a igreja, permanecendo ali firme e rijo até que o localizassem. Como lição pedagógica - e também pra que ele se sentisse meio herói - sua atitude de esperar parado no mesmo lugar foi apontada como exemplar pra toda a gurizada da família, como de alguém que tomou a atitude correta num perigoso caso de extravio em local desconhecido.

(Marco Esmanhotto)