Do BBB à apatia nacional
Há alguns dias, quando estava no supermercado, de repente voltei minha atenção para uma senhora que conversava com outra mulher mais jovem, provavelmente conhecida sua. Com razão e algo mal-humorada ela reclamava da alta no preço do arroz, do feijão e principalmente da carne. Porém, em certo momento a senhora adquiriu um súbito entusiasmo na voz e comentou: "Não posso perder o paredão do BBB hoje, tô torcendo pra fulano ser eliminado". Confesso nada envergonhado que não guardei o nome do participante que aquela mulher queria que saísse da atração global.
Ora, o que está se passando na mente de uma imensa parcela dos brasileiros? Diante de uma pandemia gravíssima, onde tanta gente já perdeu a vida pelo agravamento da doença, pela falta de leitos hospitalares e oxigênio, pela morosidade na aplicação das vacinas, e diante de uma crise econômica onde milhares de pessoas estão desempregadas, sem dinheiro e consequentemente passando fome, por que dar tanto destaque e atenção a uma atração televisiva tão vazia de conteúdo como é o caso do Big Brother Brasil?
Por que ao invés de votar para escolher quem deve deixar a casa mais famosa e vigiada do Brasil, o povo não se mobiliza de forma ordeira e pacífica para exigir decência e reformas na política e no sistema judiciário, vacinas para todos etc.? Enfim, por que os brasileiros não se unem para tirar o país da sua crise moral e institucional?
Lembrando que mobilização significa atitude em prol da paz e do bem-estar coletivo, e não fazer das redes sociais palcos para xingamentos individuais.
Infelizmente, acostumados a assistir políticos escapando ilesos das mãos da Justiça, nos tornamos condescendentes com as atitudes ilícitas e com a desorganização que em nossas paragens impera, mormente nos setores públicos.
Graças a Deus sou uma pessoa otimista e não fico reclamando da pandemia, querendo a volta daquele normal que para muita gente se resume apenas a baladas regadas a álcool, drogas e sem rock’n’roll, pois não tenho coragem de chamar de funk, sertanejo ou música, o som tosco e as letras vulgarizantes que rolam nesses eventos inconsequentes.
A triste verdade é que desde 1500, quando da efetiva tomada de posse destas terras pela valorosa nação portuguesa até os tempos atuais, o Brasil continua sendo um terreno fértil para a ação nefasta de indivíduos oportunistas. Com nobres exceções, nunca se pensou de fato em construir neste solo abençoado uma nação próspera, independente e honrada. Ao lado disto temos uma gente hospitaleira e calorosa, mas que ainda necessita se reconhecer e se compreender melhor como agente transformador da realidade nacional.
Entenda, para se manterem no poder e como seus legítimos representantes, os políticos dão o que o povo pede — é a chamada pressão popular. Ora, se a população nada exige, aceitando tudo de cabeça baixa ou pior, fazendo por vezes disto uma piada de mau gosto, nossos mandatários farão então apenas o que os beneficiem. Quem, citando apenas um exemplo, irá acreditar que o povo deseja ver mais programas educativos na TV, quando as pessoas não desgrudam os olhos do Big Brother ou qualquer outra porcaria similar? Não são os políticos, mas sim você quem deve fazer a diferença.
Mas, como eu vinha dizendo, sou um cara bastante otimista e acho que o Brasil tem tudo para prosperar, desde que comecemos a não nos enxergarmos apenas como o país do jeitinho, do futebol, que aliás anda meio capenga, ou do Carnaval, mas, como a pátria da Ordem, do Progresso, conforme os dizeres da nossa bandeira, e da Saúde, Emprego, Educação, Justiça, Igualdade nos direitos e deveres e da Dignidade pessoal.
Muda, Brasil! Invista na educação de sua gente, na ciência, na tecnologia além do ramo agropecuário. Invista em artes, cultura, e construa e preserve uma boa memória — porque no presente somos um povo desmemoriado.
Acorda, Brasil, chega de apatia.