BANHEIRO DE CASA

(Já faz um bocado de tempo que escrevi esta crônica. Naquela época a intenção era só provocar um pouco de riso. Não mudou essa intenção original, mas a ela se pode incluir outra: refletir sobre pais e mães “bundões” que são dominados pelas crianças. Leia e diga o que pensa)

- Qual a capital do Amazonas?

- Manaus!

- E a do Rio Grande do Sul?

- Ué! Quem não sabe? É Porto Alegre! Mas o do Rio Grande do Norte é Natal! Por que será que tem dois rios grandes? Qual deles é maior?

- E a tabuada, você sabe, também?

- Só sei a do 7, do 8 e do 9. As outras são muito fáceis

- Então diga: quanto é 7 vezes 7?

- 49!

- E 9 vezes 8?

- 72!

- 9 vezes 9?

- 81, eles são sete você é só um

A mãe da menina cobriu o rosto, envergonhada. O Pai soltou um risinho cínico de quem diz: “meche com quem ta quieto”. Mas o interlocutor não se dá por achado e continua:

-Agora me diga: quem foi que te ensinou tudo isso?

- Foi o pai, e a mãe...eles acham bonitas crianças espertas.

- Mas é bonito mesmo! Crianças inteligentes chamam a atenção dos adultos. Veja quanta gente em silêncio olhando o que você diz...

- É que eles são bobos, não sabem coisas como a capital de um estado e ficam perguntando prás crianças. Esqueceram a tabuada e ficam testando as crianças. E a gente não fica olhando o que os outros dizem, a gente ouve...

Novamente aquele clima de gozação dos que não tinham coragem de falar com a garotinha. Não sei se sabiam da ferinidade de sua língua infantil: motivo de vergonha da mãe e orgulho do pai

Um cochicho da copeira, no pé do ouvido do anfitrião, que interrogava a garotinha de 5 anos.

Levanta-se. Alisa o paletó.

Aperta a gravata e convida a todos:

- Passemos à sala ao lado, para servirmos o almoço!

Uns levantam-se dos gordos sofás. Algumas gordas dirigem-se ao toilette. As magras alisam as longas saias dos vestidos... Um balofo senhor aperta o cinto. Um grisalho, de porte esportivo, enfia a camisa por dentro da calça!

As crianças naquele, auê, fazem um corre-corre geral. Não era reunião de casais. Era festa em família!

- A mesa das crianças é prá cá! – Grita alguém, no meio do fru-fru das saias e rendas!

A garotinha, candidata a gênio por imposição dos adultos, permanece sentada!

E a mãe:

- Vamos, filha! Venha lavar as mãozinhas...

- Quero fazer cocô!

É claro que todos olharam para a mãe, morta de vergonha....

- Minha filha ....... então vamos ao banheiro ........

- Quero fazer cocô no banheiro lá de casa!!!

A mãe, nessa hora, queria que o mundo se acabasse para acabar sua vergonha.

- Mas filha, banheiros são todos iguais. Vamos que a mamãe ajuda!

- Já disse: quero fazer cocô no banheiro lá de casa!

- Mas minha filha, já está na hora do almoço!....É aniversário da vovó...!!!

- Então vamos lá em casa, eu faço cocô e a gente volta!

- Não podemos, minha filha. O almoço já está sendo servido!

- Então eu faço aqui mesmo...

- !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

E a danadinha fez...!!!

- ...........................................................

A mãe, quase arrastando a garotinha, só uma criança, sai da sala.

Vai voando. Volta para casa!

No sofá ficou uma pequena mancha, úmida!

Malcheirosa!

........................................

E o almoço da vovó ficou prá outro dia!

Ficou pra outro dia não porque os pais da menininha não estivessem com fome; nem porque ficaram envergonhados com o malcheirosidade provocado pela garotinha.

Foram embora porque a menina não queria ficar na casa da vovó, disputando as atenções com outras crianças.

Afinal, as crianças sabem o que querem.

Quem não sabe são os pais pois, afinal de contas, quem realmente manda são os filhos com todos os seus conhecimentos da psicologia adulta.

(Publicado inicialmente em: https://www.webartigos.com/artigos/banheiro-de-casa/4658)

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, Filósofo, Teólogo, Historiador

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