Caso de Polícia

- Não pode ser um roubo. Quem iria roubar um caminhão velho como aquele?

- Velho não, antigo! E fique sabendo que tem muita gente interessada nele. Não vendi por que é um bom caminhão.

- Mas como explicar, então...? Tem certeza que não veio de bicicleta? Você é muito distraído! Lembra daquela vez que você esqueceu a carteira em cima da cama daquela dona...

- Não brinca com coisa séria. Ainda bem que voltei lá no dia seguinte e ela já era cliente antiga...

- Ela tua cliente ou você cliente dela...?

- Dá no mesmo... Mas o que anda fazendo esse pessoal da polícia, que nunca aparece? Sempre que a gente precisa eles nunca estão por perto...

Mostrando que o Zeca estava errado, a viatura policial, silenciosamente, estaciona ao lado dos dois irmãos que conversam sobre o caminhão roubado. O Zico nem tem tempo de falar nada e o policial dá a noticia.

- Tudo bem seu Zeca! Já localizamos seu caminhão! Demoramos um pouco a chegar até aqui por que, nessa noite de virada do ano 2000 estamos com blitz em todas as entradas da cidade.

- Entrem na viatura e vamos até o local. Vocês precisam fazer o reconhecimento do caminhão.

- O senhor está com sorte, seu Zeca. Se não estivéssemos fazendo blitz o larápio teria fugido – comenta o primeiro policial, com uma cara meio marota

Zico, recuperando-se da inveracidade da situação:

- Onde estava o camarada que roubou o caminhão do meu irmão?

- Na saída para Nova Brasilândia. Pelo jeito estava tentando fugir para a Bolívia. Parece que o cara faz parte duma dessas quedrilhazinhas que troca carro por pó.

Dentro da viatura fez-se um momento de silêncio, enquanto afastavam-se da frente da igreja, afastando-se da multidão, rojões e foliões festejando a virada do 2000.

Duas quadras abaixo, perto do mercado, o Zico viu um caminhão, branco, estacionado. Cutucou o irmão:

- Ó o teu caminhão ali. A polícia fez um trabalho rápido e te poupou o trabalho de ir até a delegacia. Trouxeram o caminhão...

Os policiais entreolharam-se. Trocaram um sorriso de gozação, mas não falaram nada

Enquanto isso a esposa do Zeca, com a filha recém nascida no colo, ainda sem saber da aventura dos irmãos, se desespera. A criança chora, acordada pelos estrondos dos fogos, fulgurando no céu, nublado.

Uma chuva fina atinge a todos, na praça em frente à igreja, mas só a Zola, com a criança no colo, percebe.

O povaréu, tomado pela bebida já tomada, pula, grita, dança, faz a contagem regressiva – embora ainda faltem mais de 10 minutos para a virada...

Zola já está acostumada a ser deixada em frente à igreja, pelo Zeca. Mas sempre em horários normais, nas missas normais. Numa véspera de fim de ano...até hoje nunca.... Onde estaria? Com quem andaria?

- Mas foi aqui que eu tinha deixado meu caminhão!...

A gargalhada dos policiais traz de volta o Zeca à consciência.

No último dia do ano! Na última noite! Nos últimos minutos...não foi exatamente um mico, fora um King Kong...

- Seu caminhão estava o tempo todo aqui, seu Zeca... como explica isso? Estava querendo pregar uma peça na polícia ou pensa que nós não temos mais nada prá fazer e podemos ficar dando carona de duas quadras prá qualquer um...

O sermão estava só começando. O Zeca começa a se desculpar.

- Deu branco minha gente. Eu jurava que tinha deixado o caminhão ali do lado da Igreja, onde sempre deixo...é que cheguei atrasado. Deixei a família na porta da igreja e saí para procurar estacionamento.

- E aí tira a gente da blitz para vir aqui dar uma caroninha...?

- Não é nada disso... Só tinha esquecido onde tinha estacionado o caminhão... Mas, obrigado pela carona....

Neri de Paula Carneiro

Rolim de Moura – RO

Outros textos do autor:

Filosofia, História, Religião:

https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro

Literatura:

https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro