Caro Garçom
É a respeito da pergunta que me fizeste, no último domingo, durante aquela triste derrota do Palmeiras para o Tigres, pelo Mundial de Clubes. À ocasião, ignorei a gravidade do assunto. Hás de compreender. No momento da interrogação, confesso, agora, sóbrio e triste, que fiquei bastante desconfortável e julguei-a até tola e desnecessária.
Natural, o Palmeiras estava em campo, e perdendo o jogo, apesar de os copos à mesa tentarem esconder o placar da triste partida. Agora, que a derrota se confirmou e os copos já não incomodam a visão geral dos fatos, digo-te que é pertinente tua pergunta.
Eu desejava saber a localização do banheiro; tu, o porquê de ultimamente tantos professores estarem preenchendo mesas de bares.
Segundo tua estatística e experiência empírica como garçom, por volta de 80% dos professores da cidade estão clientes dos bares municipais. Sinceramente, até aquele momento, não havia notado esse detalhe. Encontrar o banheiro me parecia mais urgente. Tu discordavas, houve princípio de confusão, e ambos decidimos sabia e mutuamente nos calarmos.
Retornei para a mesa sem saber a localização do banheiro. Tu não me revelaste. Teria sido censura à nossa discordância?
Prefiro não comentar, uma vez que, naquele momento, me parecia óbvio o motivo de haver tantos professores em mesa de bar. Ora, “obviamente” devia-se ao fato de as escolas estarem fechadas... Veja, amigo Garçom, como o álcool geralmente e às vezes quase sempre deturpa nossa visão geral da rotina e das coisas, tornando-as enganosamente de fácil compreensão.
Sob os etílicos efeitos desse alucinógeno legalizado, comumente não enxergamos de imediato a disposição do caro, feio, complexo mundo e suas engrenagens disformes. Tudo nós é possibilidade e certa perfeição; entretanto, sóbrios e tristes, não raro descobrimos que tal panaceia quase sempre não passa de placebo.
Ficaste impressionado com a quantidade de professores em uma única mesa (quatro, distribuídos em cinco cadeiras, sendo que três dos partícipes visível e eloquentemente bêbados, e o quarto, o mais sóbrio, tinha ido ao banheiro e se perdido no caminho), situação que julgaste desabonadora, apesar de, segundo tua opinião, comum ultimamente, e me perguntaste a que se deve tal fato. Não soube te responder, naturalmente. E, naturalmente, ainda procuro a causa deflagradora desse fenômeno etílico, social e barístico.
Ignoro se esse repentino aumento no número de professores clientes de bares é em razão, como imaginas, do “mal do século”, popular depressão, ou em resposta ao aumento do dólar, à taxa de esgoto que, a partir deste mês, passaremos a pagar ao SAAE, ou protesto em represália ao derretimento das geleiras do Himalaia, ou libelo contra as bombas mortíferas despejadas na Síria. Quem sabe essa romaria docente em destino aos bares da cidade seja, inclusive, por causa da "cultura do cancelamento". Será que nossos professores municipais foram ''cancelados", Caro Garçom?
É uma hipótese, Caro Garçom. Não acreditas nela? Pois aqui vai outra, mais verossímil talvez. Convido-te a fortalecer a voz do povo. Nem cobra nem tatu. Escolha o ângulo que melhor lhe convier, com redobrada atenção à semiótica, que adora confundir bar com rede wifi grátis. Por fim, formule, conforme tua perspectiva, a versão final da resposta para tua pergunta. Provavelmente, por mais absurda que seja, haverá quem concorde com ela; e, certamente, por mais óbvia que seja, existirá quem discordará da resposta que construíste para a questão.
Não se assuste nem se martirize à toa, Caro Garçom. É assim mesmo a vida em sociedade: uma prova sem gabarito.