Presente de Aniversário
Fora um dia quente. Cansada da lida, da vida, dos anos a pesar sobre os ombros, dos suores que a deixavam com um odor nauseabundo, chegou a casa querendo descanso. Porém aquele era um dia para ser comemorado – aniversário de seu par – par não era bem o termo, porque pares se completam. Aquilo era um ajuntamento muito sem propósito aos olhos de todos – mas no seu conceito, era seu par! E ai de quem dissesse o contrário!
Queria tomar um banho, passar perfume francês para tirar o ranço da pele de menopausa, descansar quem sabe um pouco antes do dito marido chegar. Ao colocar o carro na garagem avistou um pequeno pacote jogado junto ao portão, pelo lado de dentro. Abaixou sentindo o peso da idade e dos muitos quilos acima do peso e içou o pequeno embrulho. Lá, bem claro, estava escrito o nome do marido. Achou estranho, mas levou o pacote para dentro de casa.
Tomou um banho demorado, esfregou bem as partes. Lembrou-se que não depilara as pernas nem o buço. Estava com um baita bigodão proveniente da queda hormonal, mas não dava mais tempo. Tinha que se fazer bonita – se é que fosse possível tal empreitada!
Durante seus preparativos não tirava os olhos do pacote – o que seria? Algum presente? A curiosidade a consumia. E se abrisse? Ele não iria gostar. Conhecia muito bem o marido. Sabia que não gostava que mexessem em suas coisas. Mas estava se consumindo de curiosidade!
Não resistiu! De um impulso abriu o pacote. Ficou estarrecida! Um vermelhidão lhe subiu pelo rosto. A raiva ferveu em suas veias. Um ódio mortal tomou conta de sua alma. As mãos tremiam. Um fio de baba desceu lhe pelo canto da boca. Sentiu a espuma a crescer na boca. Pensou em sufocar – morrer! Os olhos se petrificaram sobre o objeto que tinha em mãos – uma minúscula camisola de renda a escorrer entre os dedos. E o que dizer do perfume que emanava da peça?
Ficou assim um longo tempo, sem saber o que fazer com a delicada peça. De repente, num frenético insight resolveu que vestiria a peça. Sabia que não era para ela. Sabia que presente se destinava ao marido, mas na sua ira iria vestir a peça e quem sabe, com ela, fazer uma pequena festa para o marido. Tremenda foi sua decepção ao perceber que a camisola mal passava pela cabeça. Como revestir os seios volumosos e caídos naquela peça? Como enfiar o ventre protuberante e flácido ali, naquela pecinha?
Num arremedo de loucura, rasgou a camisola inteira. Não satisfeita, colocou a num vaso, riscou um fósforo e a queimou até às cinzas. Ficou de olhos parados durante muito tempo olhando para o que sobrou do presente. Não sentia nada – somente um enorme vazio interior. Mais uma vez alguém lhe estragava a festa. Vestiu-se e ficou esperando o marido.
Quando ele chegou, fez lhe uma festinha, agrados, carinhos como se nada tivesse acontecido. Porém, em dado momento, percebeu já tarde demais que o perfume da camisola ficara em suas mãos. E pior, notou que o marido havia sido despertado pelo perfume – sentiu nos olhos dele que reconhecera aquela fragrância, e percebeu também uma sombra de tristeza em seus olhos – Saudades! Foi isso que ela viu nos olhos dele. Saudades!
Naquela noite não conseguiu conciliar o sono!