Marilda
Minha amiga Marilda sempre chegava cedo ao trabalho. Gostava de assim fazer visto que vinha desde as fronteiras da Zona Leste Paulista até o Centro, ou a Cidade como gostávamos de chamar na colorida década de 1.980. Naquela época era o Centro Financeiro de São Paulo. Tudo acontecida naquelas ruas – Direita, XV de Novembro, Boa Vista, São Bento, Largo do Café, e um pouco mais distante, São João, Ipiranga, Barão de Itapetininga. Ruas que percorríamos a pé. Tomar metrô significava gastar um passe a mais, então o melhor era ir a pé. Em nossa tenra juventude, tudo era mais fácil.
Então Marilda chegava cedo. Guardava seus pertences no gavetão direito da mesa, trocava a sapatilha pelo salto alto, corria até o banheiro velho no fim do corredor recoberto de pastilhas já escurecidas para passar um batom – vermelho! O prédio antigo da 24 de Maio ficava ao lado da Mesbla. Da pequena janela toda enfumaçada pela poluição era possível ver um pedaço do Teatro Municipal. E lá em baixo, a vitrine da Piter da Praça Ramos – somente para ser vista porque o salário não era suficiente para passar de suas vitrines. Após passar o batom ia até a copa, conjugada com o velho banheiro, passar um café. Gostava do café bem doce, então caprichava no açúcar. Além disso sabia que os meninos da Contabilidade chegariam logo, e teriam momentos de risadas gostosas antes de começar o trabalho.
O único problema naquelas manhãs era a presença do gerente da cobrança. Parece que o cara adivinhava quando ela chegava mais cedo! Tinha o péssimo hábito de falar no seu pescoço, ali, na curva da orelha com o ombro. Não gostava daquilo. Como sua altura nunca foi objeto de admiração, e o bendito homem além de corpulento, era mais alto. Ficava apertada entre o filtro de água, velha moringa de barro, e o bule de café fumegante. E o homem teimava em fechar a porta e contar suas vantagens como o mais galã dos seres na terra.
Ela tentava se desvencilhar do sujeito, mas ele segurava a porta com um pé, e debruçava na pia tomando o café, com os olhos a lhe percorrer o corpo. Depois, colocava a xícara na pia, sem se dar ao trabalho de lavar, coçava o baixo ventre, soltava a fivela do cinto, ajustava a calça na cintura, e saia da copa prendendo o cinto novamente, com olhares lascivos como se algo tivesse ocorrido naquele ambiente exíguo da copa. Isso quando não esticava seus dedos de unhas grandes no decote de sua blusa. Não gostava daquilo! Não! Definitivamente não gostava, mas não tinha com quem reclamar.
Como trabalhava na recepção do escritório, conhecia todos, conversava com todos, e quando parou de fazer o café, todos perceberam. Foram lhe perguntar porque não mais fazia o café. Desconversou. Não queria ter contato com o cara da cobrança, mas também não queria falar sobre o assunto com os colegas, pois com certeza alguns pensariam que ela estava dando mole para o sujeito. Até que um dia, chegando mais cedo, e com uma vontade danada de tomar café, foi até a copa e começou a prepará-lo. Como estava distante da recepção, não ouviu o barulho da porta de entrada. Só percebeu que não estava só quando a porta da copa se abriu e ele entrou, passou a mão no trinco e fechou. Ela entrou em pânico. Ele a acalmou, disse que não iria fazer nada que ela não quisesse, nada que ela não estivesse pedindo a tempos. Puxou seus braços e tentou beijá-la.
Num súbito de força encontrada não se sabe onde, empurrou o cara contra a pia, conseguiu abrir a porta e saiu correndo, dando de frente com o proprietário da empresa. Não se conteve. Contou tudo. Todo o assédio sofrido desde o dia que entrara na empresa, as passadas de mão, as roçadas de cotovelo em seus seios, dos esbarrões pelo corredor, das encoxadas pelas costas, da mão boba no braço, dos afagos no cabelo, das falas pornográficas, enfim, contou tudo.
Foi convidada gentilmente a ir até o Recursos Humanos assinar sua carta de demissão.
Então Marilda chegava cedo. Guardava seus pertences no gavetão direito da mesa, trocava a sapatilha pelo salto alto, corria até o banheiro velho no fim do corredor recoberto de pastilhas já escurecidas para passar um batom – vermelho! O prédio antigo da 24 de Maio ficava ao lado da Mesbla. Da pequena janela toda enfumaçada pela poluição era possível ver um pedaço do Teatro Municipal. E lá em baixo, a vitrine da Piter da Praça Ramos – somente para ser vista porque o salário não era suficiente para passar de suas vitrines. Após passar o batom ia até a copa, conjugada com o velho banheiro, passar um café. Gostava do café bem doce, então caprichava no açúcar. Além disso sabia que os meninos da Contabilidade chegariam logo, e teriam momentos de risadas gostosas antes de começar o trabalho.
O único problema naquelas manhãs era a presença do gerente da cobrança. Parece que o cara adivinhava quando ela chegava mais cedo! Tinha o péssimo hábito de falar no seu pescoço, ali, na curva da orelha com o ombro. Não gostava daquilo. Como sua altura nunca foi objeto de admiração, e o bendito homem além de corpulento, era mais alto. Ficava apertada entre o filtro de água, velha moringa de barro, e o bule de café fumegante. E o homem teimava em fechar a porta e contar suas vantagens como o mais galã dos seres na terra.
Ela tentava se desvencilhar do sujeito, mas ele segurava a porta com um pé, e debruçava na pia tomando o café, com os olhos a lhe percorrer o corpo. Depois, colocava a xícara na pia, sem se dar ao trabalho de lavar, coçava o baixo ventre, soltava a fivela do cinto, ajustava a calça na cintura, e saia da copa prendendo o cinto novamente, com olhares lascivos como se algo tivesse ocorrido naquele ambiente exíguo da copa. Isso quando não esticava seus dedos de unhas grandes no decote de sua blusa. Não gostava daquilo! Não! Definitivamente não gostava, mas não tinha com quem reclamar.
Como trabalhava na recepção do escritório, conhecia todos, conversava com todos, e quando parou de fazer o café, todos perceberam. Foram lhe perguntar porque não mais fazia o café. Desconversou. Não queria ter contato com o cara da cobrança, mas também não queria falar sobre o assunto com os colegas, pois com certeza alguns pensariam que ela estava dando mole para o sujeito. Até que um dia, chegando mais cedo, e com uma vontade danada de tomar café, foi até a copa e começou a prepará-lo. Como estava distante da recepção, não ouviu o barulho da porta de entrada. Só percebeu que não estava só quando a porta da copa se abriu e ele entrou, passou a mão no trinco e fechou. Ela entrou em pânico. Ele a acalmou, disse que não iria fazer nada que ela não quisesse, nada que ela não estivesse pedindo a tempos. Puxou seus braços e tentou beijá-la.
Num súbito de força encontrada não se sabe onde, empurrou o cara contra a pia, conseguiu abrir a porta e saiu correndo, dando de frente com o proprietário da empresa. Não se conteve. Contou tudo. Todo o assédio sofrido desde o dia que entrara na empresa, as passadas de mão, as roçadas de cotovelo em seus seios, dos esbarrões pelo corredor, das encoxadas pelas costas, da mão boba no braço, dos afagos no cabelo, das falas pornográficas, enfim, contou tudo.
Foi convidada gentilmente a ir até o Recursos Humanos assinar sua carta de demissão.