Quintal
O quintal era enorme. Para o menino, era do tamanho de um país, e ele queria explorar cada canto. Às vezes, cavando a terra, ele achava moedas antigas, meio enferrujadas, e de vez em quando um esqueleto de rã. Uma vez desenterrou uma estatueta de Buda. O menino não tinha muitos brinquedos: só alguns carrinhos, uns animais em miniatura, um ou outro boneco de plástico.O menino da casa ao lado, filho da dona Jane, uns dois anos mais novo do que ele, tinha duas caixas cheias de brinquedos, mas entre eles não existia egoísmo nem inveja.
No quintal tinha mandioca, um coqueiro muito alto perto da cerca, laranjeiras (embaixo de uma delas ficava um sofá muito velho que parecia uma carcaça se desfazendo), bananeiras (a mãe do menino não deixava ele chegar perto delas para não pegar "noda" na roupa), uma mangueira, uma pitangueira, um limoeiro e uma roseira.
A casa só tinha um quarto, sala e cozinha. No quarto ficava a beliche onde o menino e o irmão mais novo dormiam, a cama dos pais, um guarda-roupa e uma cômoda. O teto não tinha forro. As vigas tinham teias de aranha e por elas caminhavam lagartixas - pequeninas, flácidas e brancas.
A casa dos avós ficava no mesmo terreno. Era uma casa bem grande e muito velha, toda feita de tábuas. Tinha frestas por toda a parte e nas vigas muito mais teias de aranha do que nas da casa do menino. Tinha fogão de lenha.
Quando não tinha ninguém vendo, o menino jogava pedaços de plástico no fogo. A fumaça tinha deixado pretas as paredes em volta. As panelas da avó também eram pretas, e o menino gostava da comida que ela fazia. Numa noite, o avô reclamou da comida. A avó replicou, calmamente, que ele não reclamasse, pois aquela podia ser a última comida que ela faria para ele. Naquela noite, ela foi dormir e nunca mais acordou. O avô pitava e cuspia muito. Tinha um acordeon, mas não sabia tocar direito. Quase nunca tomava banho. Usava óculos com lentes bem grossas e tinha os cabelos muito brancos, cheios de caspa. Os filhos dele - tios do menino - fizeram uma casa nova para ele morar depois que a de madeira desmoronou numa noite de chuva. Ele morou nessa nova casa menos de um ano antes de morrer. Hoje os tios do menino alugam essa casa para pessoas que ele não conhece.
O menino cresceu. Hoje ele sente que aquele quintal era muito maior do que ele pôde explorar numa infância tão curta.