Um dia especial na igreja

Hoje é um dia especial – não para mim, para minha mãe. No meu caso, é um dia extremamente entediante, pois decidi acompanhá-la em um dos cultos da igreja. Segundo ela, haverá uma palestra especial sobre feminismo, a qual ela gostaria muito que eu estivesse presente para aprender um pouco mais sobre o movimento o qual eu participo e tenho dissertação de mestrado sobre. Para ser sincera, confesso que tive uma pequena curiosidade sobre essa palestra – não por ser na Igreja, mas por ser ministrada por um político conservador da cidade.

Pois bem, chego junto com minha mãe na hora do culto. Certas pessoas cumprimentam minha mãe e eu. Confesso que este lugar me dá um pouco de asco – não por causa dos hábitos e crenças, mas por causa da atmosfera pequena burguesa e/ou classe média que passa. Olho para o lado de fora da igreja, vejo muitos carros; olho para o lado de dentro, vejo pessoas razoavelmente bem vestidas – algo muito diferente do que ocorre em outras Igrejas, nas quais pessoas carentes são alimentadas constantemente com esperanças em promessas financeiras enquanto os pastores vendem objetos abençoados de sei lá de onde.

Sento-me em uma cadeira ao lado da minha mãe. Vejo o pastor chegar e se dirigir ao altar, enquanto o político convidado fica ao seu lado:

-Boa noite, paz ao senhor, irmãos. -Diz o pastor, recebendo de volta o cumprimento. -Hoje, gostaria de apresentar o renomado irmão Marcelo, um fervoroso, dedicado estudante e comprometido com as questões políticas e sociais do nosso tempo. O irmão Marcelo está presente para falar sobre um dos maiores males que assolam os lares de cidadãos de bem hoje em dia: O feminismo. Espero que gostem do conhecimento que irão receber. -Com uma salva de palmas, o pastor se retira do altar abrindo espaço para Marcelo.

-Boa noite, irmãos e irmãs. Como dito anteriormente, estou hoje para alertar de um grande perigo que assola os nossos lares. Porém, antes disto, eu quero abordar um pouco sobre o porquê falar sobre esse assunto e ler sobre essas coisas. Hã...hum….Como disse Aquino uma vez: Não confie em uma pessoa de um só livro. E isso é algo que eu concordo bastante. Não devemos ler apenas a bíblia – livro de extrema importância, tanto para compreensão de nossos dias, quanto de antigamente -; mas também, evitando cometer o mesmo erro que esses esquerdistas degenerados, devemos ler sobre assuntos que não concordamos. Para isso, após um profundo estudo em um livro sobre a subversão do feminismo, escrito por uma autora não feminista, eu decidi realizar esta palestra. -Ao falar isso, ele separa um momento para palmas.

-Obrigado, obrigado. - Diz o palestrante levantando a mão para cima. -Porém, o que vocês irão ouvir agora é algo chocante. -Pessoas começam a se entreolharem.

-Para começo de conversa, caso vocês não saibam o que é, eu irei explicar. É um movimento que prega a “emancipação” das mulheres, sua liberdade. Algo muito bonito na teoria se fosse apenas isso. Porém, pregam isso nos culpando, acusando-nos de retirarmos a liberdade das mulheres, como elas já não fossem livres. É um movimento que, na realidade, prega a subversão das mulheres, a ausência de um homem cristão na vida das mulheres. Falam que a orientação dos nossos irmãos se constituem em um relacionamento opressivo. É um movimento que prega, sim, a liberdade, mas não uma liberdade verdadeira. Dizem que nossas orientações são mandamentos, negam que a verdadeira liberdade é apenas na presença de um companheiro cristão, que as constrangemos a realizarem comportamentos que as oprimem. Por isso, irmãos e irmãs, ao ler isso, eu vim alertar a vocês o perigo de uma coisa subversiva destas. ISTO É COISA DE COMUNISTAS. Não podemos, meus irmãos, deixar que o marxismo cultural, quer dizer, o feminismo cultural invada nossas casas pregando o comunismo e subversão. - Ao terminar de falar isso, Marcelo bate a mão na bíblia enquanto as pessoas aplaudem.

-E eu não contei o pior. -Continua Marcelo. É um movimento que quer destruir a família tradicional, meus irmãos. -Sons de histeria na Igreja. -Acalmem, acalmem. -Diz Marcelo levantando a mão para cima. -Eu não acabei, há mais. Eles jogam a culpa da destruição da família na própria organização da família, dizendo que a opressão sobre as mulheres acabam tolhendo suas liberdades e potenciais. É uma verdadeira barbaridade, meus irmãos. Eles conspiram dizendo que o casamento tradicional e cristão silenciou as mulheres durante diversos períodos da história – uma verdadeira mentira, pois atrás de grandes homens cristãos, sempre houve e há grandes mulheres cristãs. Dizem este movimento não se contentar com a posição anterior da mulher. Uma verdadeira subversão comunista, negando as hierarquias concedidas por Deus. Por isso, meus amigos, para evitar essa tragédia, eu não vim apenas hoje falar sobre feminismo. Em vista desta verdadeira tragédia, eu estou anunciando meu mais novo curso sobre como ser uma verdadeira mulher cristã, baseado neste livro que eu li sobre feminismo por uma escritora mulher de verdade e anti-feminista. Eu, neste curso, abordarei como exercitar sua feminilidade cristã e não cair nessas mentiras que acusam a sociedade de querer mandar nas mulheres. É O FEMINISMO ESQUERDOPATA QUE QUER MANDAR NAS MULHERES. -Gritou Marcelo enquanto recebia uma chuva de aplausos e aleluias.

Eu olhei para minha mãe, ela estava aplaudindo e comentando para a colega ao lado o quanto o palestrante era alguém generoso e preocupado com a construção de uma sociedade de bem. Ela virou-se para o meu lado e disse:

-Ta vendo, filha?

-Queria nem ter escutado, quanto menos visto. -Disse eu.

-Olha a boca. Aliás, já prevendo esse teu comportamento, eu te escrevi neste curso. -Disse ela apontando o dedo na minha cara

-Han?