GILETE NO CALO

Pra fugir dos temas que rolam por aí e que me deixam amargurado, resolvi voltar lá pras minhas lembranças de outros tempos. Se sou um sortudo pela memória que tenho, por que não me aproveitar disso?

Ontem, num bate papo virtual, em certo momento do assunto eu disse que tenho paciência mas tenho também os meus calos e que se alguém pisa eu estrilo.

Então veio a interpelação do outro lado: que horror, você tem calos? Nunca tive mas me disseram que dói muito.

Esse diálogo meio chulo me fez responder com algo que me surgiu na memória: Sim, tive um calo no dedinho do pé esquerdo, que durou anos, mas acabei com ele de tanto cortá-lo com uma gilete.

Lógico que veio uma explicação pra isso.

Eu ainda menino, lá nos anos sessenta, arrumei esse calo por usar um sapato de plástico que me compraram e era um pouco apertado.

Nada de interessante nessa história não fosse o fato de que vivíamos numa época especial, o plástico era coisa recente, pelo menos a sua popularização era recente.

Quem quiser duvidar de que era um tempo especial, é só imaginar tirando da própria vida, do seu uso, todas as coisas confeccionadas a partir do plástico. Pensou?

Para ilustrar esse pensamento, imagina as tubulações de saída do esgoto da sua casa sendo trocadas por tubos de cerâmica que quebram e entopem com facilidade. Antes do plástico era assim.

Então, o plástico, de repente poderia servir pra tudo, até para fabricar calçados, o que foi feito e durou pouco tempo. Agradava porque era muito barato, mas o efeito colateral o levou ao seu desaparecimento, causava um chulé insuportável.

Nessa mesma linha do plástico serve pra tudo, quando eu trabalhava na feira surgiram as camisas Volta Ao Mundo, confeccionadas com tecido de nylon, que existe ainda no mercado, mas que não deu certo no caso das camisas, eram muito baratas, mas intoleráveis. Sumiram logo em seguida.

No meu caso, o sapato não me deu chulé por que antes dele me fez um calo que durou anos.

Bendita gilete e o meu atrevimento em usá-la.