Prudente
Prudente amava o belo na perenidade, era dos amores difíceis, dos romances finos, das longas conversações, dos relacionamentos com lastro, segundo suas próprias palavras. Buscava conexões com as pessoas, com seus templos, seus tempos, com seus cérebros, suas mentes, seu universos.
E nesse ponto, não fazia muita questão de gênero, ele pouco se apaixonava, mas, quando o fazia, era pelas experiências, pelas construções das pessoas. Corria das relações quase impessoais, dos amores frágeis e fáceis, costumava dizer. Considerava-os algo indelicado.
Não lhe agradava a deselegância dos frívolos encontros meramente carnais, tinha medo da futilidade das relações corriqueiras do mundo “moderno”. Não que fosse contrário aos impulsos e instintos, mas o que ele queria era o além disso, os passos seguintes, o caminho inteiro. Era necessária quase uma transcendentalidade para Prudente se envolver com alguém.
:- Oi, gatinho! – Uma voz alta e incisiva cortou o ar.
Ele conversava tranquilamente com os três amigos de sempre, num barzinho movimentado. Beatriz, a garota que lhe falou, tinha perambulado pelo lugar, abraçando e beijando várias pessoas. Prudente viu que era muito bonita, mas preferira se dedicar ao velho papo com os bons camaradas. Ainda mais porque a moça tinha chegado ali com um jovem bonito, de mãos dadas. Devia ser comprometida, pensou.
Porém, em instantes, a menina parecia já não mais se importar com o acompanhante, pois começara a flertar descaradamente com outras pessoas. Prudente ficou levemente irritado com aquela movimentação, mas, ao mesmo tempo, não conseguia mais tirar os olhos da mulher, a energia dela era por demais contagiante.
Pouco-a-pouco, a conversa com os amigos - de certo requentada - lhe pareceu desinteressante. Os passos de Beatriz já eram mais atrativos do que as vozes conhecidas e os assuntos batidos dos colegas. Quando ela chegou até sua mesa, falando daquele jeito, ele ficou surpreso e admirado.
- Oi… você está falando comigo? - Ele procurava uma forma educada de questionar.
- Claro, tu tá me secando desde a hora em que eu cheguei.
O homem ficou quente de raiva e vergonha.
- Não… eu… - Gaguejou, procurando ajuda nos rostos dos companheiros, que olhavam de volta, entre divertidos e preocupados com a cena.
- Não tem problema, gato! Quer ficar comigo? – Disparou, como se não o estivesse escutando. E apontando o indicador - como se Prudente fosse uma peça particularmente diferente em exposição - olhando para os outros rapazes à mesa, comentou, divertidamente:- Eu adoro esses timidozinhos...
E azedou. Ele odiou aquela aproximação. Detestou a interpelação, a voz alteada, o "tu tá me secando". Abominou profundamente tudo. Mas o timidozinho e o dedo da garota quase abanando em sua cara, foram de lascar. Desconcertado e aborrecido, iniciou uma resposta polida, mas decidida, levantando-se da mesa: - Olha, me perdoa se fiquei te olhando, foi sem perceber. Vamos conversar lá fora? – Ele detestava escândalo.
- Aqui tá ótimo, relaxe um pouco. Se entendi errado, desculpa. - Falava como se não estivesse realmente se desculpando, já recuando, sem demonstrar qualquer tipo de frustração.
Isso o irritou ainda mais.
- Eu não faço esse tipo de coisa!
- Tá bom, gatinho. Não leve tudo tão a sério. Beijo pra vocês! - Ela riu, se despedindo.
Prudente se sentou novamente. Buscou retomar a conversa com o grupo, mas era visível a contrariedade e o constrangimento. O diálogo tinha morrido. Poucos minutos depois, se despedia dos colegas, amuado.
***
Mais tarde, deitado na cama, observava a capa de um livro, tentando decidir se desligava ou não o abajur. Desligou. Passou a mão pelo celular e ficou checando notificações de redes sociais.
Sem demora, atirou o celular para o lado, e ficou lembrando da garota bonita e em como ela parecia significar o oposto do que ele pensava em termos de relacionamentos. Só que não conseguiu parar de pensar naquela proposta.
"Quer ficar comigo?".
Assim. Bem na cara. Como um tapa. Teria sido o efeito do álcool, do clima, da beleza dela, Prudente não sabia, mas se assustou acreditando que poderia ter dito "quero", feito um adolescente impulsivo.
O smartphone vibrou. Na tela, uma prévia da mensagem, "Oi, me des…", de um número desconhecido. Abriu e leu. Era a garota do bar, se desculpando pelo ocorrido mais cedo e pelo mal-estar que pudesse ter causado. Enviou o nome também.
Respondeu sucintamente, que não havia problema, estava tudo bem. "Assinado, Prudente". No peito uma comichão que não combinava com a frieza da resposta, e a curiosidade de saber como ela tinha conseguido o seu telefone.
Recebeu uma mensagem com várias carinhas lagrimando de tanto rir. Beatriz perguntava se era mesmo verdade aquilo, pois nunca conhecera alguém cujo nome fosse tão adequado ao comportamento.
"Como assim? Ela nem me conhece! Eu sou assim tão previsível?". Pensativo, mas entusiasmado com a ideia de Beatriz tê-lo observado tão bem – a ponto de comentar aquilo - Prudente explicou a origem do nome. Daí por diante, houve uma conversa longa e divertida.
Para ela, bastava. Para ele, era o início de algo.
No dia seguinte, um encontro físico acertou as diferenças. Viajaram, mentes e corpos numa melodia visceral e harmônica. O rapaz atingiu dois ápices, um deles foi o resplandecer de um sentimento genuíno. A mulher chegou ao clímax também. Prudente era realmente diferente das pessoas com quem se relacionara.
Ele a buscou durante toda a semana seguinte. Inseguro e ávido pelo reencontro. Beatriz, num movimento tão seu, prosseguiu a vida normalmente, sem perceber que não correspondia aos anseios do rapaz. Ao apaixonado parecia que a conexão estava se perdendo, ficou ansioso.
Recorreu aos amigos, que marcaram encontro num barzinho diferente, de temática mais intimista, fechado, com ar-condicionado e vidros fumê.
Prudente confessou a desilusão, e a incompreensão do que estava acontecendo. Os amigos não sabiam o que dizer. Aquela relação não era impossível, mas completamente improvável, eles conheciam muito bem o amigo. Também nunca o tinham visto daquele jeito, desnorteado e sensível, sobretudo, em questões amorosas.
Por capricho divino ou sabe-se-lá-o-quê, Beatriz apareceu no mesmo bar, de mãos dadas com uma mulher mais velha. Ao chegar, conseguiu mudar todo o clima do ambiente, que ficou muito mais animado, principalmente porque ela andava aos risos com pessoas aparentemente aleatórias. Ela o viu. Na mesma hora ele compreendeu o que, no fundo, já sabia.
:- Gatinho! Você por aqui?
:- Oi, Bia. - Foi a resposta, triste. - Na verdade, eu já estava indo embora.
: -Tão cedo? – Lamentou. Mas logo prosseguiu, sem perder o bom humor:- Então a gente se fala depois. Um beijão.
E foi saindo, trocando gestos e sorrisos com um pessoal de outra mesa. Prudente sabia que ela não fazia ideia de que o machucava. Ainda assim, doía. Sussurrou um dolorido "adeus" aos amigos, e correu para casa, ferido.
Estava longe do seu apartamento, mas algo lhe dizia que deveria caminhar, e assim o fez. E talvez tenha funcionado um pouco. Sentiu algo diferente, residual e, talvez, até… positivo, na oxigenação que a caminhada lhe deu. Era inútil insistir, ele tinha certeza... e ainda assim, uma sementinha de pensamento brotava...
Beatriz o tinha ajudado a acrescentar algo às experiências, das quais era tão zeloso e cultivador. Entendeu que havia aprendido algo de valor inestimável... vivera, sim, um relacionamento belo e transcendental, embora fugaz...
Um coração partido dói, mudar uma ideia arraigada também... mas aprender algo novo é da vida... tentou sorrir... e, entre as lágrimas, conseguiu...
Igor Cruz.