Zumbido da paz
     
          Gosto muito de mel, mas se um dia eu tiver que ter uma reunião com as abelhas, prefiro que seja virtual, e não presencial. Eu persigo o seu mel, nos supermercados, e elas me perseguem pela vida afora.
          Foi espantoso, quando, numa tarde, ao voltarmos para casa, eu e minha mulher, encontramos o quarto habitado por um enxame. Escolheram um armário de madeira, com porta de treliça. Devo admitir que a ideia de ali instalar uma fábrica de mel foi boa, seria uma colmeia com muitas portas. Eu poderia me tornar sócio, e até beber mel com canudinho. Mas recusei a sociedade, não ia dar certo.
          Outro momento inusitado foi quando fazia eu uma viagem de férias com a família, em tempo de muito calor, em carro sem ar-condicionado, mas com a janelinha quebra-vento aberta, é claro. De repente passamos por uma nuvem de abelhas e várias delas ficaram voando dentro do carro. Não me lembro como isso terminou. Mas, como se diz nesses casos, entre mortos e feridos todos nos salvamos. Foi só um susto.
    Abelhas me perseguem até no meu restaurante preferido. De vez em quando dividido com elas meu copo de refrigerante. Em breve teremos mel com sabores de refrigerante. Receitas novas.
          Mas desconsiderando os atritos rotineiros, conto o mais teatral. Um dia, caminhando tranquilamente pela calçada, no centro de Brasília, na hora do almoço, em meio a um grande movimento de pessoas, vi-me de repente cercado por abelhas que voavam em círculos. Era o deslocamento de um grande enxame. Naquela época eu ainda era moço, e ainda tinha muito cabelo. Elas grudaram no meu cabelo e eu disparei a correr rua afora tentando me desvencilhar delas. Já fora do enxame, fui parar entre pessoas que não presenciaram o atentado de que fui vítima. Os transeuntes me olhavam de soslaio, se afastando com cautela, como se eu fosse um daqueles loucos bem loucos mesmo, daqueles que saem correndo pela rua, sacudindo a cabeça, batendo com as mãos no cabelo e olhando para alto. Não havia mais abelhas por perto. Mas tinha levado várias ferroadas no rosto e nas mãos. Passei bem umas três horas com o rosto irreconhecível de tão inchado. Um olho não abria direito, a boca ficou torta, uma orelha mais gorda que a outra. E parecido com um louco, o pior de tudo!
          Mas nem tudo é guerra. Tenho cultivado flores aqui em casa, com a intenção de promover a nossa paz. Tenho um pé de cheflera, que dá umas flores miudinhas e esteticamente insignificantes, mas que são apreciadas pelas abelhas. Quando está florida, e se ando lá por perto, pela manhã, escuto um verdadeiro coro de abelhas zumbindo. Fico tranquilo. É o zumbido da paz. Quando não há flores pelo jardim e quintal, e as abelhas somem, já fico preocupado, com saudade, e me pergunto, onde estarão elas?

 
Itamar BC
Enviado por Itamar BC em 07/02/2021
Reeditado em 15/02/2021
Código do texto: T7179027
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