Lembranças de meu pai
Lembranças de meu pai
Existem situações que nos marcam de forma mais intensa, algumas indeléveis. Relacionamentos parentais sempre tem essas características. Lembro-me do meu pai como alguém extremamente sério, sisudo, de pouco falar. A armadura de cristal de silêncio que o protegia foi quebrada com o nascimento dos netos, tendo a partir daí tornando-se uma pessoa muito mais alegre. Nunca erguia a voz, seus argumentos eram suficientes. Palavras como honra, honestidade, compromisso formavam a base de sua vida. Creio que quarenta anos atrás eu não tivesse esse discurso, mas hoje, treze anos após sua partida, as coisas ficaram extremamente claras.
Numa época de transição em minha vida, deixei durante um ano minhas filhas estudando em Curitiba e morando na casa de meus pais. A menor as vezes perguntava o significado de uma palavra para a avó e esta dizia: – procure no dicionário, e minha filha replicava: - Para que procurar vó, é só perguntar para o vô. Ele sabia tudo.
Era comum estarmos em família discutindo determinado assunto e ele quieto em seu canto, lendo jornal ou algum livro, quando, do nada ele ponderava algo e acabava com a discussão. Nessa hora, não tinha para onde sair, seu juízo do assunto era final. Na minha impetuosidade adolescente muitas vezes envolvia-me em discussões que invariavelmente tinham meus pontos destroçados pela sua clara e logica explanação. Era muito, muito irritante dizer que nunca levei vantagem em uma discussão. Passaram-se décadas para eu descobrir. Eu jamais o venceria numa discussão pelo simples fato de ele jamais discutir um assunto que desconhecesse. Quando não tinha pleno conhecimento do assunto, ele não se manifestava.
Eu me formei, após casar mudei-me para o Mato Grosso. Voltava anualmente a Curitiba para rever meus pais e depois desse tempo nosso relacionamento mudou, melhorou, passei a conversar de forma mais aberta com meu pai.
Um fato interessante aconteceu quando morava no Mato Grosso e exercia a profissão de médico. Creio que apenas eu e minha esposa sabemos desse fato. Uma tarde, recebi no meu consultório um representante de laboratório. Eles vinham com regularidade trazer novidades dos laboratórios médicos e relembrar os medicamentos já existentes. Conversando com esse senhor, de súbito ele comenta: eu já conheci um Nilo Paraná. Eu sorri e falei, se não era eu, só pode ter sido meu pai. Ele continua, foi em Siqueira Campos, no interior do Paraná. E prossegui, moramos lá dos meus dois aos nove anos. Meu pai era promotor de justiça. Sim, conheci bem seu pai, ele me informa o trabalho que tinha na cidade e comenta, seu pai foi a pessoa mais honesta que conheci na minha vida.
É claro que fiquei extremamente emocionado. Essa declaração foi como uma medalha e me arrependo até hoje de não ter contado o episódio a ele.