ENCONTROS ETÍLICOS-FILOSÓFICOS-LETRÁRIOS-CULTURAIS-DANÇANTES

ENCONTROS ETÍLICOS-FILOSÓFICOS-LETRÁRIOS-CULTURAIS-DANÇANTES

A laranja voadora.

Essa estória aconteceu na reunião da casa da Eneida. Realizados todos os sábados, os encontros da turma do Clássico, eram marcados por muita cultura, discussões sobre filosofia, literatura, poesia, música, etc. Alguns professores freqüentavam essas reuniões e nós, pobres mortais, curtíamos a sabedorias dos mestres. Totalmente dominadas pela alegria de encontrar amigos, amor à cultura, e entusiasmo de estar no primeiro ano secundário, essas reuniões eram muito prazerosas. Iniciar o secundário, na época, significava para a maioria dos jovens escolherem um curso que era o mais adequado para seus interesses e lhe desse embasamento para uma futura profissão. Muitos faziam testes vocacionais em consultório psicológico para se orientarem na escolha se cursariam o Científico, o Clássico ou o Curso Normal. Os cursos técnicos profissionalizantes eram poucos, como torneiro mecânico no SENAI ou químico industrial nas poucas escolas que ofereciam estas modalidades. Bom, voltemos à casa da Eneida. Regadas a muita cerveja e Cubas Libres, foi servida uma comida pela dona Nancy, mãe da Eneida, seguida de um café. Normalmente após o café era a hora de iniciar os debates e conversas sobre os mais diversos assuntos. Rolavam músicas da época na Sonata, tipo Ray Connif, Jhonny Mathis, Cauby Peixoto, Dick Farney e outros. Benedito resolveu convidar a professora Lídia para dançar e o resto da galera formou uma grande roda ocupando toda a sala. Benedito era uma figura, tinha fotofobia e usava uns óculos de lentes muito escuras e grossas.

Começamos a brincadeira da laranja. Quem iniciava a brincadeira segurava a laranja e durante alguns minutos iniciava a declamar uma poesia ou texto inventado na hora sobre algum tema qualquer. Normalmente os assuntos preferidos amor, saudades, beleza, solidão e coisas do tipo. Assim que o declamador julgava ter falado uma idéia completa, arremessava a laranja para outro participante por ele escolhido e quem recebia a fruta era obrigado a continuar filosofando com a última palavra dita por seu antecessor. Por ser totalmente de improviso e dependente da inspiração de cada um, o tempo de permanência da laranja nas mãos de quem estava falando variava muito e mais imprevisível era a direção na qual a laranja seria arremessada. Benedito dançava com a professora Lídia, musa de vários de seus alunos e presença obrigatória nesses eventos, e era o único casal no meio da sala. A laranja, jogada de um lado para outro da sala, era arremessada tomando-se o cuidado de não atingir os dançarinos. Por diversas Benedito e Lídia se abaixaram ou desviaram do projétil. E jogar a laranja de modo a passar raspando o casal passou a ser uma curtição. Até que o inevitável aconteceu: Benedito foi acertado pela laranja. Abaixou, recolheu a fruta no chão e começou a filosofar: “- Estou tão feliz na companhia de vocês todos, meus amigos. Se o tema é solidão com certeza irei sentir muito a falta desses encontros maravilhosos no futuro. Mas hoje, agora eu quero dançar com minha bela professora, e essa laranja atravessa a sala pra lá e pra cá. Eu vim a essa festa para distrair, não vim filosofar. Chega dessa brincadeira!”. Dizendo isto, atirou a laranja em qualquer direção. A fruta atingiu a janela da sala e quebrou-a. Dona Nancy era a calma personificada e nem se abalou. Mas o clima da reunião terminou ali. Cada um para sua casa.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 07/02/2021
Código do texto: T7178857
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