DO AUTORITARISMO AO ABISMO
Ele desejava, ardentemente, ser um soldado da Aeronáutica. Reprovado no seu intento, imporia sua vontade ao primeiro filho que a vida lhe desse. Uma forma de compensar sua frustração.
Uma história real que sempre tentei passar para minhas filhas e meus netos. Aqui tratarei o principal personagem pelo codinome "Ed".
Um eletricista desempregado, mas, por ter aprendido a profissão depois de sofrer inúmeros choques - e porque não era tão caro o seu serviço -, fazia "bicos" em algumas lojas comerciais e residências do bairro.
Eu possuía, então, uma locadora de filmes, que depois evoluíu para uma papelaria, em Boa Viagem - Recife.
O sr. Ed, para sustentar a mulher e um filho, exercia a atividade de eletricista, mesmo desabilitado. Prestava-me apoio sempre que necessário. Terminamos ganhando a confiança um do outro, como sói acontecer.
Aí, certo dia, contou-me de seu desgosto por não ter podido fazer carreira militar na Aeronáutica, mas estava feliz por ter um filho de onze anos de idade, inteligente, obediente, que ele iria preparar para passar no teste daquela corporação.
- "Meu filho vai realizar o meu sonho"...
Falei-lhe da diferenciação entre "criar" e "educar".
Criar é simplesmente cuidar do alimento de cada dia, da roupa, do calçado, do medicamento (quando necessário).
Educar é tornar o filho uma pessoa, fazendo-o evoluir material e espiritualmente e, independentemente de quaisquer influências externas, cuidar dos seus valores e de sua carreira profissional no futuro... Claro que os pais e a escola precisam trabalhar juntos para ajudá-lo a bem perceber esses princípios e valorização da sua condição de cidadão. Um trabalho contínuo, porém sem imposições ou autoritarismo, e com bons exemplos.
Mudei um pouco os termos até o seu nível de instrução. Mesmo assim, achei que o sr. Ed não assimilara bem a coisa. Muitas vezes, chegara a desqualificar a escola por enveredar noutros caminhos, ou melhor: por lecionar disciplinas adicionais que nada tinham a ver com o exigido no teste seletivo da Aeronáutica.
O auge foi ultrapassado quando o sr. Ed, certa manhã, disse-me (em surdina) que havia "surrado" o seu filho (já com 15 anos de idade) por lhe ter respondido que
- "...a ele não interessava seguir a carreira militar.
"Eu sou o pai. Ele vai seguir a carreira que eu quero!" - acrescentou.
- "Mas, meu caro Ed, o senhor precisa escutar o seu filho!... Sem diálogo não se educa!..."
. . .
Dois anos depois, não por vontade própria, o filho do sr. Ed faz sua inscrição para o teste de acesso à Aeronáutica.
Para sua completa infelicidade, não conseguiu êxito.
Nova "surra" dada por um pai duplamente frustrado. Um pai que não havia passado no teste quando jovem, à época com outras obrigações...,
- ...mas o meu filho não passar!... - "É coisa inaceitável; tem todo o tempo do mundo; não passou só para aumentar o meu desgosto..." - contou-me, aos prantos.
O tempo correu e os erros parece que superaram os acertos...
Passei a loja para minha irmã e mudei de cidade. Razão para meu distanciamento do sr. Ed.
Voltei a Recife nos idos de 2012, procurando, ainda em Boa Viagem, um apartamento para negócio.
Avenida dos Navegantes. Adentro num prédio e, logo na entrada, lá estava o sr. Ed na Portaria. Cumprimentei-o, parabenizando-o por, dessa vez, estar exercendo uma atividade remunerada com carteira assinada.
Ele, prontamente, largou os trabalhos da Portaria e veio ao meu encontro. Sem que eu atiçasse, falou logo a respeito do filho:
- "Nada me anima, seu Fernando! Aquele patife do meu filho, que nunca quis me ouvir, está agora envolvido com drogas. Foi preso ontem, pela segunda vez"...
Fiquei quieto e sem palavras.
- Deus meu! Até onde a gente pode interferir na vida do outro?!...
Querendo ser bem-sucedidos como pais, preparando os nossos filhos para um novo mundo, não conseguimos desenvolver a autoridade e acabamos agindo de maneira autoritarista, como o fazem alguns governos com o seu povo.
Ele desejava, ardentemente, ser um soldado da Aeronáutica. Reprovado no seu intento, imporia sua vontade ao primeiro filho que a vida lhe desse. Uma forma de compensar sua frustração.
Uma história real que sempre tentei passar para minhas filhas e meus netos. Aqui tratarei o principal personagem pelo codinome "Ed".
Um eletricista desempregado, mas, por ter aprendido a profissão depois de sofrer inúmeros choques - e porque não era tão caro o seu serviço -, fazia "bicos" em algumas lojas comerciais e residências do bairro.
Eu possuía, então, uma locadora de filmes, que depois evoluíu para uma papelaria, em Boa Viagem - Recife.
O sr. Ed, para sustentar a mulher e um filho, exercia a atividade de eletricista, mesmo desabilitado. Prestava-me apoio sempre que necessário. Terminamos ganhando a confiança um do outro, como sói acontecer.
Aí, certo dia, contou-me de seu desgosto por não ter podido fazer carreira militar na Aeronáutica, mas estava feliz por ter um filho de onze anos de idade, inteligente, obediente, que ele iria preparar para passar no teste daquela corporação.
- "Meu filho vai realizar o meu sonho"...
Falei-lhe da diferenciação entre "criar" e "educar".
Criar é simplesmente cuidar do alimento de cada dia, da roupa, do calçado, do medicamento (quando necessário).
Educar é tornar o filho uma pessoa, fazendo-o evoluir material e espiritualmente e, independentemente de quaisquer influências externas, cuidar dos seus valores e de sua carreira profissional no futuro... Claro que os pais e a escola precisam trabalhar juntos para ajudá-lo a bem perceber esses princípios e valorização da sua condição de cidadão. Um trabalho contínuo, porém sem imposições ou autoritarismo, e com bons exemplos.
Mudei um pouco os termos até o seu nível de instrução. Mesmo assim, achei que o sr. Ed não assimilara bem a coisa. Muitas vezes, chegara a desqualificar a escola por enveredar noutros caminhos, ou melhor: por lecionar disciplinas adicionais que nada tinham a ver com o exigido no teste seletivo da Aeronáutica.
O auge foi ultrapassado quando o sr. Ed, certa manhã, disse-me (em surdina) que havia "surrado" o seu filho (já com 15 anos de idade) por lhe ter respondido que
- "...a ele não interessava seguir a carreira militar.
"Eu sou o pai. Ele vai seguir a carreira que eu quero!" - acrescentou.
- "Mas, meu caro Ed, o senhor precisa escutar o seu filho!... Sem diálogo não se educa!..."
. . .
Dois anos depois, não por vontade própria, o filho do sr. Ed faz sua inscrição para o teste de acesso à Aeronáutica.
Para sua completa infelicidade, não conseguiu êxito.
Nova "surra" dada por um pai duplamente frustrado. Um pai que não havia passado no teste quando jovem, à época com outras obrigações...,
- ...mas o meu filho não passar!... - "É coisa inaceitável; tem todo o tempo do mundo; não passou só para aumentar o meu desgosto..." - contou-me, aos prantos.
O tempo correu e os erros parece que superaram os acertos...
Passei a loja para minha irmã e mudei de cidade. Razão para meu distanciamento do sr. Ed.
Voltei a Recife nos idos de 2012, procurando, ainda em Boa Viagem, um apartamento para negócio.
Avenida dos Navegantes. Adentro num prédio e, logo na entrada, lá estava o sr. Ed na Portaria. Cumprimentei-o, parabenizando-o por, dessa vez, estar exercendo uma atividade remunerada com carteira assinada.
Ele, prontamente, largou os trabalhos da Portaria e veio ao meu encontro. Sem que eu atiçasse, falou logo a respeito do filho:
- "Nada me anima, seu Fernando! Aquele patife do meu filho, que nunca quis me ouvir, está agora envolvido com drogas. Foi preso ontem, pela segunda vez"...
Fiquei quieto e sem palavras.
- Deus meu! Até onde a gente pode interferir na vida do outro?!...
Querendo ser bem-sucedidos como pais, preparando os nossos filhos para um novo mundo, não conseguimos desenvolver a autoridade e acabamos agindo de maneira autoritarista, como o fazem alguns governos com o seu povo.