Rotina é verdade que é, mas está distante de ser tediosa a união que já perdura 28 anos. Certo que não tem a volúpia do tempo de namoro, quando não havia lugar para que trocassem carícias mesmo que muitas vezes por dificuldades financeiras não fosse possível ir a algum lugar que pudesse ser confortável para enfim atingir os "finalmente" com mais tranquilidade, e assim o carro, um Chevette azul escuro com bancos parcialmente reclináveis pudesse ser o único local possível para calorosos intensos momentos de prazer. Havia ainda o perigo ao estacionar em ruas mais escuras de ser surpreendido por algum incauto, o que causava apreensão, mas até mesmo isso era motivo para aumentar a excitação naquelas noites após umas doses de caipivodka que serviam para tirar a timidez .Ainda hoje, permanecem unidos, viajando em lembranças mas com uma vida muito mais amena de conforto com muitas regalias que alguns anos de árduo trabalho permitiram que pudessem desfrutar. A frequência dos afagos e relações ficaram mais espaçadas, mas o hábito de todas as noites antes de adormecer ficou como um mantra que se repete . Ela gosta de dormir mais cedo, vai para o quarto, deita e fica alguns minutos ainda vendo algumas mensagens no celular , ele fica um pouco mais na sala, sendo vendo um filme ou um futebol, mas ainda com ela deitada, cultiva um repetido ritual, cantarolando parte de uma música que diz:
Porque me arrasto aos seus pés
porque me dou tanto assim
e porque não peço em troca
nada de volta pra mim...
Ao terminar essa parte da cantoria, como uma missão que tem que ser cumprida todas as noites, se dirige ao quarto e beija seus pés.
Antes de retornar para a sala ainda sussurra quase que se vangloriando pelo gesto.
-Sou um amante a moda antiga, dos poucos que todas as noites beija os pés da mulher amada antes dela adormecer.
Impossível duvidar que esse CARA, é ele...