Maria Julita Nunes

JULITA NUNES

Todos cantam a sua terra

Também vou cantar a minha

Nas débeis cordas da lira

Hei de torná-la rainha

Hei de dar-lhe a realeza

Nesse trono de beleza

Onde a mão da natureza

Esmerou-se enquanto tinha

Catulo da Paixão Cearense

Nesse vai-e-vem da vida e da natureza, nasceu no sítio Riacho Verde Maria Julita Nunes primeira dos três filhos de Alfredo Nunes da Costa e Ernestina Cordeira Nunes.

O Riacho Verde, realidade geográfica encravada na sua imaginação, percorreu os tempos fazendo-lhe companhia, quer através da saudade, ora por meio de lembranças, pois nele desfrutara dos ares, das amizades, dos frutos da terra e da natureza, não sendo exagero afirmar que Julita trocaria o Paraíso pela eternidade no Riacho Verde.

Sendo uma Nunes da Costa trouxe no genes o legado da poesia, e, quem sabe, uma boemia própria dos poetas. Maria Julita banhou-se nas águas do Açude Velho e Açude de “seu” Camilo, galgou a pedra do Tendó, do Cruzeiro, do Vento, desfilou seus dotes femininos nas retretas da antiga Rua de Cima, curtindo o clarinete de Haroldo (de Zé Grande) Guedes, o saxofone de Amadeu, os violões de Solon Guedes e Djalma (de Lulú) Batista, a voz de Mimosa, flertou sem compromisso enchendo de esperanças corações de jovens teixeirenses.

Na festa da padroeira, já adolescente, assistia na Igreja as cerimônias religiosas, porém entre o louvor a Deus e o interesse pelos rostos masculinos, Julita preferia percorrer todos os bancos até encontrar um olhar trigueiro que sonhasse na mesma direção. Afinal, o que queria dizer o sacerdote com os cantos e fraseados em latim?

Foi aluna de uma grande pedagoga – Roseta Ramalho – e, embora não haja registros do aproveitamento escolar de Julita, ela fazia parte de um seleto grupo de alunas como: Lídia Faustino, Maria do Rosário Xavier (Miga), Adelaide Rocha.

Maria Julita Nunes exaltou, através da poesia, a natureza e os seus encantos. Cantou a Pedra, o Vento e a brisa, todos afagando os sonhos de muitos namorados; cantou a Pedra e o Cruzeiro, vigilantes dos casais que procuravam um esconderijo para seus instantes de intimidades.

Cantou o Açude Velho, talvez sem saber que o seu ancestral – Agostinho Nunes da Costa, o Velho – conforme diz a tradição, possuía uma propriedade nos arredores da então Vila do Teixeira, e todo sábado ia à feira. Certa ocasião um grupo lhe pediu dinheiro para ajudar na construção do Açude Velho, ele ficou muito irritado, vindo a afirmar categórico: “Eu nunca mais beberei água do Teixeira”, e, de fato, quando ia à Vila levava uma moringa com água, tendo cumprido sua promessa até morrer. Fico a pensar se Agostinho soubesse quem, num futuro distante, se banharia naquele Açude, teria feito uma doação, aliás, muito generosa.

Julita decantou o pequeno rio - o Riacho Verde - tão efêmero. Encantava-se com o passar indiferente de suas águas, indagando-se: qual o seu destino? Esperava, talvez, um aceno, mas o riacho insensível à afeição de Julita adolescente “nem ligava”, boêmio como ela, lá na frente encontrara-se com outro rio e, vadios, perambularam por outros leitos até deparar-se com um rio maior que os levou para o mar, Julita abateu-se de tristeza em saber que o mar colossal absorveria aquelas águas que a fizeram sonhar.

É muito provável que num final de tarde, alguém tenha visto Julita caminhando em uma praia qualquer procurando identificar no gigantismo do oceano as águas do seu pequeno rio. Quem sabe, elas ainda guardavam os seus sonhos, ou talvez a reconheceriam? Inútil, o oceano de águas verdes sufocara o que o pequeno rio trouxe do seu caminhar. Porem com o seu ouvido de poeta (ou poetisa, eu prefiro poeta), pareceu sentir, no quebrar de uma onda, um som familiar. Seria o último gemido do que restava do Riacho Verde?

Maria Julita cresceu e o legado da poesia brotava cada vez mais insistente, entretanto como uma fatalidade veio a dor.

Será esse sentimento a fonte inspiradora de todos os poetas? Será que não há poesia sem dor? Será que a inspiração penetra na consciência com o formato de uma dor e rebenta na aparência de versos? Julita teve bons motivos para cantar a dor através da suavidade dos seus poemas. Ela não revela, mas transparece de suas composições a tortura de um amor proibido. É possível que tenha herdado a teimosia de seu ancestral, o velho Agostinho Nunes da Costa, guardando consigo o nome de um amor impossível, reprimido, sufocado, mas que permanece vivo como que ressuscitado. Porém, como diz o adágio “coração é terra que ninguém pisa”, deixemos a Julita o seu silêncio.

Tive o privilégio de conhecer poemas de Julita ainda manuscritos. Ela escolheu o soneto no seu formato clássico – dois quartetos, dois tercetos, métrica e rimas cadenciadas – para expressar a sua criatividade, e não poderia ter feito melhor opção. Como já disse, ela canta as belezas de uma vida plena, enxerga no cotidiano os detalhes de uma vida mais humana, faz de um acontecimento corriqueiro um estado de suspense, acima de tudo, ela faz de sua temática a história do Teixeira.

“Sonhos Avessos” é um poema em que Julita explode a sua mágoa ante a decepção de não ser retribuída no seu amor:

Sempre sonhei com um príncipe encantado

Que quisesse ao ALTAR me levar,

Vestida de noiva, de forma singular

Feliz! O sonho enfim realizado

Não me foi esse o destino reservado;

Homens que me juraram amor sem par,

buscavam, sempre “outra” para casar,

O sonho do branco véu me foi negado;

Nunca recebi flores, dádivas ou anéis,

As esperanças foram sempre esperanças,

Mesmo tendo inúmeros amores aos pés;

Sugando do meu ser toda alegria,

SONHOS AVESSOS desfeitos em lembranças;

- Fui apenas companheira de “BOEMIA”!

“Primavera/outono”, “Quando eu morrer”! são poesias que insistem em ficar na minha lembrança.

Li e reli os poemas de Julita, como já havia feito com os seus livros, a sua temática telúrica, saudosista, sentimental, identifica-se muito bem com o meu jeito de ser. Parabéns e Obrigado são, aqui, palavras que se assemelham porque se referem à mesma produção. Parabéns Julita por presentear a mim e aos leitores com momentos de encantamento; obrigado por ter me dado a oportunidade de conhecer, em primeira mão, uma criação de sua autoria que me faz reviver os tempos de infância em minha querida Terra – Teixeira.

João Fragoso

Março 2016

Joca Fragoso
Enviado por Joca Fragoso em 05/02/2021
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