Carpe diem!

Houve um tempo em minha vida, quando eu era bem mais novo, que eu pensava: Se eu morresse hoje, estaria tudo bem; estaria satisfeito. Mas não é que eu possuísse tendências suicidas, nunca levei a sério essa possibilidade horrenda. O que eu sentia, pelo que me lembro, é que já me bastava o pouco que havia vivido. Nada pessoal contra a vida, e nada de violento, embora eu aceitasse passivamente a possibilidade de morrer a qualquer momento, pois, como eu não era necessário a este mundo, ela, a vida, não era necessária para mim.

Acho que nada disso era tão claro na minha mente durante aquele período. Mas hoje eu sintetizo tal posicionamento que eu tomava por meio da seguinte ideia: Como não possuía sonhos e desígnios para o futuro, não havia um porquê de continuar. É como diz certo ditado popular “Viver sem um sonho é o mesmo que estar morto”, frase drástica, mas com um tanto de verdade.

Na minha juventude eu realmente não possuía nenhum sonho. Profissão, moradia, casamento, estudos...nada, nada eu almejava para meu futuro. Escrever? Oras, eu nem mesmo lia naquele tempo. Só comecei a ler depois que finalizei o ensino médio, aos dezoito anos, e pouco depois veio o instinto da escrita (mas isso é assunto para outro texto).

Pois bem, esse era eu, só presente e passado. Passado? Antes mesmo dos vinte? Mas se os primeiros anos são esquecidos e a mentalidade própria da juventude não se importa com as frescas memórias...eu era mesmo só presente! Nem sabia o que isto significava, mas eu vivia o Carpe diem, e, já adianto, o carpe diem não basta!

Não basta para sustentar o Homem os pequenos prazeres do dia a dia. Elevar-se diariamente, voar em asas temporárias e ter sempre que descer junto com o sol. Voos que mais parecem breves saltos...não, isso não nos basta. Isso não nos faz amar a vida como se deve. Quem não tem onde pousar tranquilo à noite, depois de viver o dia e de construir nele algo a dar continuidade amanhã, acaba por ter todo dia como uma queda; todo crepúsculo como uma morte. O homem não se sustenta, não se completa com tão pouco. Erigir diariamente castelos de areia, desenhos na praia para amanhã refazê-los novamente, mesmo que diferentes...— e o novo é sempre tão difícil! — isso não nos cabe.

Aproveite o dia, aproveite o momento quem assim o conseguir! Mas eu faço um desafio: aproveite, deste modo, a Vida.

Duvido, a falta de uma missão a deixa vazia de sentido. Era por isso que eu pensava que morrer a qualquer momento não seria um grande desperdício, eu perderia apenas o momento presente e seus possíveis deleites. Contudo, convenhamos, quão raros são os momentos que nos fazem esquecer de tudo. Vou além, quão raros são os momentos que valem a pena nos fazerem esquecer de tudo.

Além disso, dessa raridade que se quer propor como centro da vida, desse ápice tão almejado e tão pouco alvejado, observo que muitas vezes eles são frutos exatamente de um longo processo de confecção que dura dias, semanas, meses e até anos. Sim, os momentos que nos prega o Carpe diem, esses momentos saborosos, são frequentemente a conquista de um sonho, o alcance de algo pelo qual muito trabalhamos.

Quem espera que esses momentos lhe aconteçam sem precisar provocá-los, direta ou indiretamente, é como aquele que espera que lhe abram a porta ao pé de uma parede sem porta. E quem se lança de forma imprudente em qualquer aventura para conseguir tais momentos luminosos, é mais provável que nada consiga além de frustrações e, quem sabe, por sorte, uma pequena faísca de alegria que pretenderá que ilumine toda a sua vida, claro, inutilmente.

Seria este um ótimo ponto para encerrar o texto, porém, já que estamos aqui, vamos além.

Não que se possa fazer disso seriamente uma equação, mas se somássemos: uma pessoa, infinita riqueza, boa saúde, disponibilidade de tempo, — a faca e o queijo, como dizem— mas não somássemos a isso nenhum grande sonho, nenhuma fome, nenhum grande feito, acho que o resultado evidenciaria como não nos contentamos apenas com a fartura dos pequenos prazeres.

Entretanto — eis a questão central—, julgo que o Homem, esse que não aguenta apenas os prazeres efêmeros de cada dia, bom, esse mesmo Homem, se for movido por um grande sonho, uma grande missão, uma grande Fé, suportaria, olhando para o horizonte perseguido, de cada dia, o seu mal e preocupação. Tudo por aquilo que tem como o centro de sua vida, tudo pela vontade maior que o move.

Hoje já não penso como antes; morrer agora? Tolice! Ainda não estou pronto, não estou maduro para a colheita. Mas ao menos hoje tenho em vista a missão, a Messe, a Verdade e a Vontade que hão de me guiar pelo Caminho da Vida, e por isso estou disposto a suportar de cada dia o seu mal. A vida é um caminho onde se vai chorando ao plantar, mas que arrebenta no canto de gozo ao colhermos os feixes cultivados, mesmo que regados a sangue, suor e lágrimas.