JULGAR.
Reitero hoje, dez anos depois essa crônica, diante das cenas que assistimos e das investidas e tramas de bastidores, que visam esvaziar as instituições nacionais, ferindo fundo suas finalidades e objetivos.
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“1-Não julgueis, para que não sejais julgados. 2- Pois segundo o juízo com que julgardes, sereis julgados; e com a medida que tiverdes medido, vos medirão também a vós.” Mateus, Cap. VII, 1/2.
Cristo chamou Mateus para segui-lo embora fosse um cobrador de impostos, quem auxiliava o império romano contra sua própria gente. O fato causou estranheza entre os fariseus. Quem converteu um cobrador de impostos em seguidor nos mostra que a atitude fundamental da vida só pode ser o perdão.
Então todos devem ser perdoados? E a justiça que julga institucionalmente, os magistrados, podem ou devem ser perdoados, pelo Senhor, se erram em consciência?
É uma envolvente indagação, mas ela se dirige ao arbítrio do Senhor. Fosse Deus perdoar a todos, como ensinou seu filho Cristo, não instituiria os Juízes no Deuteronômio. O perdão é circunscrito à gravidade da falta e, Mateus proclamou, indicando, que só Deus e seus convocados para a missão poderiam julgar, seus servos com esta faculdade, e estes, pela missão, se há desvios, mais pagariam, e Ele julgando a tudo e todos na amplidão dos tempos.
Julgar, institucionalmente, para uns é missão difícil, valorar vidas e condutas vividas, conflitos, para outros, encargo de fácil desempenho. Não vacila o forte de personalidade, faz parte de seu ser o senso de justiça, daí sua convocação. Seu interior abriga a verdade e a independência para dizer o direito, o “que é devido a cada um”. Toda vocação seja qual for, sempre parte de Deus, é dom divino para todos os pecadores, para todos que se reconhecem imperfeitos e limitados, limitados à humildade, distantes da arrogância, mas firmes em seus desígnios que apontam sempre para o bem.
A imparcialidade deve presidir o julgamento pelas normas que a sociedade, o grupo, traçou como certo e errado. E o certo ou errado são conceitos visíveis pelo homem comum através de sua consciência, aprendi isto muito cedo. Sendo assim, muito mais pelo juiz que julga em nome da sociedade, convocado por Deus.
Qualquer seja o julgamento, em qualquer instância, originado da convocação das forças superiores, mínima seja sua influência, deve seguir a imparcialidade. Presidi inúmeras comissões de inquérito em Prefeitura Municipal onde era servidor. Um dia em casa de meu pai, fui procurado por um funcionário que respondia inquérito administrativo por possível ilícito; malversação de dinheiro público, seu apossamento indevido. Chegou com a mulher e a bíblia na mão. Buscava me impressionar. Meu pai passou pela varanda e viu com sua alta observação de profissional do direito o que se passava. No almoço indagou o que houve; contei. Ele disse somente: siga sua consciência.
A consciência deve ser e é, parâmetro da correção ou da incorreção em todas as atitudes humanas.
Em colegiado de julgamento administrativo de que fiz parte ainda muito jovem, na mesma entidade referida, anulava atos contrários à lei, também assim se portavam alguns, não todos. Não havia consciência da necessária imparcialidade, do certo ou errado, mas parcialidade e submissão a interesses corporativos. Comentei o fato com meu pai certa vez, meu maior mestre em exemplos, da clareza da lei e dos fatos enfrentados pelas posições parciais sem qualquer censura própria, me disse então: ali você pode ver a natureza humana, uns seguem o certo, o ético, o legal, outros não, será assim por toda a vida. Não se enganou, como sempre, e por isso até hoje é um nome festejado por sua correção.
Se dirige, contudo, Mateus, para os julgamentos particulares. É julgamento diverso do oficial, não sujeito à coercão, punição, em todas as suas modalidades.
O julgamento oficial é diferente, é feito por todos na escolha de alguns para esse mister; os magistrados. Neles galvaniza-se a vontade social, em princípio a vontade de uma nação.
São poucos os julgadores proporcionalmente, em termos demográficos, julgadores dos semelhantes por convocação natural e social, preferentemente, pessoas eticamente incensuráveis, escolhidas através de rigorosa seleção; é enorme a missão, e quando exercida com honra, traz o céu para a terra na forma de distribuir justiça, enriquecendo gigantescamente o interior de quem pode participar dessa honra e indescritível privilégio humano; fazer justiça.
Pela falibilidade humana há incidência em erros, embora almejando o julgador probo, proficiente, praticar a mais correta justiça, distante da erronia e principalmente da parcialidade.
Não são em vão reverências e reconhecimentos prestados à magistratura. O magistrado é a lei viva, incorpora a vontade ética social. É a lei, a vontade humana incorporada em uma pessoa, e é assim visível, a lei humanizada, anda pelas ruas na pessoa do julgador, e por ser a vontade social personalizada em um cidadão, o juiz é tratado com galas e respeito por toda sua vida. Fugindo o magistrado de seus deveres, estamos diante da maior das chagas sociais. Representa o depositário de todos nossos direitos e reserva de nossas garantias.
Como diz São Paulo em suas “Cartas”, os magistrados enquanto oficiarem nesse alto múnus para o qual foram chamados com proficiência, ou seja, retidão e eficiência, estão abaixo de Deus e acima dos homens. Quem desse alto patamar social para o qual foi convocado em tão nobre missão, concorrer para esvaziá-la, com mais penitência pagará suas culpas. Por julgarem é que serão julgados com maior severidade. Por isto, se estão nos tribunais em plano mais alto, é para que sejam mais vistos e também julgados permanentemente pelo que julgam. Sua figura destacada está em permanente julgamento.
Sob esse ângulo não há perdão para aquele que se desvia de sua alta função ausente de probidade, está somente nas mãos de Deus cujos desígnios não alcançamos.
Os magistrados tudo julgam e também os desvios políticos com a coisa pública, nesse estrato a responsabilidade é maior.
São julgamentos antagônicos o público e o particular, e a este se dirigia Mateus, como dito, na palavra penitencial proporcional ao julgamento e retorno do agravo.
No Deuteronômio, um dos cinco livros do Pentateuco, os livros de Moisés, obriga a missão de inestimável independência.
Diz, no 16, na “Instituição de Juízes”: “Estabelecerás juízes e magistrados a todas as portas que o Senhor, teu Deus, te tiver dado em cada uma das tuas tribos, para que julguem o povo com justo juízo, sem se inclinarem para uma das partes”.
A melhor definição do direito, conhecida até hoje, sucinta, do festejado romanista, Rudolf Von Ihering, resume-se “no interesse protegido pela lei”, interesse econômico e moral, o primeiro material, objetivo, o segundo imaterial, subjetivo.
Sem generalizar, mas acentuando a sombria atuação desse ator que cria as leis para desobedecer as mesmas, o legislador, desponta o que se denominou política. Mas há um outro ator a que se entregam as leis para interpretá-las e aplicá-las e, principalmente, fazê-lo com total isenção; o Juiz.
Os Juízes no julgamento oficial representativo, pois representam a sociedade, devem ser duros com os desvios de conduta em cargo público. Hoje há tomada de posição nesse sentido e criação de movimentos da carreira como “Juízes Para a Democracia” que ganha corpo e prosélitos.
Os corruptos são criaturas hediondas, de baixíssimo caráter, originários do que existe de pior na natureza humana em ancestralidade, são algozes da coletividade na ganância de acumular. É bom lembrar Nietzsche indagando sobre “Que é felicidade?”, respondendo com conceito que se adapta integralmente a essas personalidades, como sendo “o sentimento daquilo que aumenta o poder, de haver superado uma resistência; não um contentamento, mas um maior poderio; não a paz em geral, mas a guerra; não a virtude, mas a habilidade.” E o Juiz corrupto é a pior peçonha.
Qual a razão da explanação? Reflexão sobre o perdão de que fala Mateus, para todos que se inclinam pelo credo cristão, de que devemos compreender e ter comiseração com os doentes da alma e do corpo, e não julgá-los, doentes que são, mas sermos rigorosos com os que julgam institucionalmente, como creio, será o Senhor. Mas não se espere dos magistrados sua sujeição a clamores públicos, desconhecendo a massa as intrincadas oficinas do direito como ciência, não se apresentando hígida avaliação. Se aos clamores públicos se sujeitam os magistrados, também assim, atuam sem proficiência.
Mas que não se conduzam os magistrados, no julgamento oficial de corruptos, com tibieza, parcialidade ou interesse de corporações, logo que essa não é a vontade de Deus. Quem tira o coletivo do semelhante e retém para si, quem não distribui justiça e para isso foi convocado, “dar a cada um o que lhe é devido”, deve ter a pena legal exacerbada ao máximo como exemplo a não ser seguido.
Dos juízes, dos julgamentos oficiais, se crê na máxima correção, mas merecem o maior rigor de apenação todos os homens públicos, e os próprios magistrados, se desviados desse padrão, nunca perdão.
Embora Cristo tenha advogado o perdão, não há como ter compaixão ou comiseração de quem retira dos necessitados o mínimo, e não há como perdoar-lhes como sinalizou Mateus, perdão que se destina ao julgamento coloquial.
Celso Panza.