A CURA DO QUEBRANTO NA REZA DE DONA ANITA
A CURA DO QUEBRANTO NA REZA DE DONA ANITA
Manoel Belarmino
Nunca consegui esquecer aquela mulher morena, negra, alta, magra e de cabelos ainda pretos, apesar de aparentar ter na época uns sessenta anos de idade, que, no meu tempo de menino, morava ali na Serra Negra Velha, pertinho da Lagoa da Mata. Eu me lembro que a casinha de taipa de Dona Anita ficava ali na parte mais alta do lugar, de frente para a estrada real que liga a Serra Negra Velha à Cidade de Serra Negra (Pedro Alexandre).
Sempre havia as rezas de novenas ali na sua casa. E todos os dias havia uma movimentação de pessoas na sua casa para Dona Anita rezar ou benzer. Dona Anita era uma rezadeira famosa. Todos da região a conheciam.
E eu me lembro que quando eu ainda era menino, magro, sambudo, e de canelas finas, fiquei ligeiramente doente, e minha mãe disse que eu estava com mau-olhado ou quebranto. Até hoje eu ainda não entendi porque eu tive mal-olhado. Eu era um menino muito feio, buchudo, magro, zambeta, cabeçudo, espantado e arrepiado. Eu acho que tive quebrando, mas mau-olhado não. Mas minha mãe tinha certeza que eu estava cheio de mau-olhado e quebranto.
Aí minha mãe me levou para Dona Anita rezar em mim contra o mau-olhado e o quebranto. Eu me lembro como se fosse hoje. Eu estava ali, amurrinhado, anêmico, amarelo, diante daquela senhora negra e de olhos quase azuis. E ela já estava na minha frente de ramos de folhas verdes nas mãos. Dona Anita iria rezar em mim contra o mau-olhado e o quebranto. Eu me concentrei ali... Era como se eu tivesse sendo hipnotizado. Mas consegui escutar baixinho a voz de Dona Anita rezando assim: "Manoel Belarmino, eu estou te curando. Com dois te botaram, com três eu te curo na graça do divino Espírito Santo. Se te botaram no comer, no olhar, na carne, no sangue; se te botaram na tua esperteza, na tua gordura, no teu olhar, no teu sorriso, no teu comer, no teu café, na tua alegria, na tua tristeza. Todo olhado que tiver no corpo de Manoel, todo quebranto e olhado vai para as ondas e as profundezas do mar sagrado para nunca mais voltar".
Depois eu escutei que ela oferecia a reza ao Menino Jesus, às Cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo e a Virgindade de Maria Santíssima, e passando os ramos na minha cabeça. E até os ramos murcharem.
Depois da reza, eu já saí dali me sentindo bem. Se tive mau-olhado, eu não sei, mas fui curado do quebranto. E nunca esqueci de Dona Anita, a rezadeira da Serra Negra Velha.