Bahia de todos os santos
Os deuses não são um privilégio da Grécia ou Índia, a Bahia não foi palco só da escravidão, mas reduto de reis, príncipes e deuses africanos. Uma herança histórica e religiosa, onde anjos e demônios duelam por uma faixa de consciência, formando um sincretismo acirrado. Os adeptos da religião matriz africana têm uma representação social muito forte no estado, mas não representa a totalidade do povo.
E dentro de um recorte estatístico há adeptos negros, brancos, pardos e indígenas. A Bahia é um pedaço da África no Brasil, e a fé e devoção é um sinal de gratidão pelas lutas vencidas. Um estado forjado pela esperança de liberdade, individualidade e preservação da identidade. Banalizar o contexto histórico da Bahia, é fechar os olhos para o genocídio de um povo escravizado pela ganância e poder.
O Olimpo da Bahia é o elevador Lacerda, de lá do alto é possível observar o que é que a Bahia tem, seus encantos, sua gente, o mercado modelo e o camafeu de Oxóssi, o restaurante dos deuses, e dos gringos endolarados. Todo canto da Bahia é batizado por um santo, um deus. E segundo o grande mestre e compositor Gerônimo, todo menino, mulher, tenente, desembargador e filho de pescador, nem que seja de ilusão, é uma coisa só.
E a força que mora n’água não faz distinção de cor, de classe, de gênero e de espaço geográfico. Todo mundo é filho de Oxum, Yemanjá, a deusa do mar. Dia dois de fevereiro é dia de festa no mar, de dar presentes à mãe d’água. Não sei se os deuses estão loucos ou abandonaram seus fiéis, mas o povo vive pagando promessas, ofertando presentes, cantando e dançando, na ilusão de uma vida melhor. São tantos pedidos, desse povo sofrido, esquecido e cheio de fé.
Na Bahia existe Etiópia, fome, doenças, miséria e crença no divino, mas o resto do mundo só enxerga o deus pagão, carnaval. Um povo aguerrido pela mãe natureza, de estranha beleza, disforme do padrão normal, empreendedor informal, e qualquer acontecimento é uma oportunidade de ganhar o sustento. Fora isso, o jeito é contar com os deuses, ter intimidade com os Santos e acreditar no impossível.
Religiosidade demais não resolve, e se não tiver esperança e fé, a vida é sem propósito. Não adianta as lágrimas de Yemanjá, a fita do Senhor do Bonfim, a pipoca do terreiro de Jesus e os cordões dos filhos de Ganghy, se o amuleto da sorte está perdido no templo dos reles mortais.