Fotos

No meu ambiente de trabalho, na parede bem em frente, há três fotos. A primeira é de Ernesto Che Guevara, com sua boina estrelada e a legenda épica: “Hay que enderecerse, pero sin perder la ternura jamás”.

A segunda foto é de José Antônio de Maria Ibiapina, padre cearense de Sobral, de batina própria do seu tempo.

A terceira foto é de Antônio Batista Fragoso, de Teixeira na Paraíba, bispo emérito de Crateús-CE, com sua roupa simples, aliás civil. Graças ao problema da ansiedade que me faz contemplar (por recomendação de uma psicoterapeuta) as coisas no meu entorno, me veio à mente a reflexão: qual dos três personagens das fotos, por sua vida, estaria mais próximo aos valores do Evangelho de Jesus?

I. Seria Che Guevara, médico argentino, visceralmente militante revolucionário, que lutou ao lado de Fidel Castro na Revolução Cubana, vencendo as tropas mantenedoras do governo Fulgêncio Batista, extremamente conservador e opressor do Povo Cubano?

O título do livro de Jean Paul Sartre, “Furacão sobre Cuba”, diz muito bem do que aconteceu naquele país, pois, apesar do meio século de bloqueio econômico comandado pelos Estados Unidos, o pequeno país do Caribe se projetou no mundo, antes de tudo na solidariedade, pois, onde necessitar de socorro médico, onde precisar de ajuda na alfabetização, aí estará a pequena Cuba.

Conforme a Organização Mundial de Saúde, instituição da ONU, Cuba tem a medicina social mais avançada do mundo. Conversei com um médico, Isaac Teixeira, formado em Cuba, filho do mártir camponês de Sapé-PB, João Pedro Teixeira. Ele me falou de algo muito interessante, que a medicina cubana utiliza amplamente, ou seja, prefere o estetoscópio e escutar o paciente, do que pedir uma enorme bateria de exames, pois, a maioria das doenças é de origem emocional.

Na Educação, Cuba desenvolveu um método educacional para alfabetização de adultos, dito internacionalista, porque pode ser adaptado a diferentes realidades em todo o mundo. Esse método forma politicamente a consciência crítica. Atualmente ela já ajudou a 36 países a alfabetizar, só na Bolívia 1 milhão de adultos. No Brasil, através do MST, ele já alfabetizou muitas comunidades de adultos. O método tem um nome poético “Yo, sí puedo” (Sim, eu posso).

Cuba revelou o seu potencial médico, ao combater o Covid-19. Basta citar um exemplo: no Brasil morrem aproximadamente 2,53% dos infectados, no pequeno país do Caribe morrem 0,02% das pessoas infectadas.

Nesse período de pandemia, Cuba teve 11.601 infectados, com 143 mortos. Ela terá sua própria vacina em 6 meses, e é seu projeto, toda a sua população (11 480 820 habitantes [2018]) estará vacinada no primeiro semestre deste ano.

Cuba não tem morador de rua.

O índice de Desenvolvimento Humano de Cuba (Em segundo lugar entre os países do Caribe) é de 0,769.

O IDH do Brasil é 0,759.

Vamos abrir um parêntesis, para falar mais um pouco sobre esse importante critério de avaliação de desenvolvimento de um Povo.

O IDH é um programa criado pela ONU para medir o bem estar de um Povo. Leva em consideração 3 aspectos básicos:

1º - Educação: São observados os níveis de conhecimento de um Povo. São medidos os graus de instrução, as taxas de alfabetização e as taxas de escolaridade (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Superior) que apresentam a média de anos escolares de um adulto. Avalia-se também questões como evasão escolar, taxas de repetência e demais aspectos que podem influenciar o setor da educação bem como a eficiência das políticas educacionais.

2º - Saúde: São observados aspectos relacionados à qualidade de vida da população de um país. Um do mais importantes desses é a expectativa de vida ao nascer, que representa a média de anos de vida de um cidadão no país. Essa esperança de vida está relacionada à eficiência do setor da saúde no país, que deve garantir o acesso a medicamentos e vacinas, aos tratamentos de saúde públicos, entre outros serviços.

3º - Renda: Utiliza-se, habitualmente, como parâmetro a qualidade de vida no que tange aos aspectos econômicos, como o PIB per capita (soma de todos os bens e serviços produzidos ao longo de um ano dividida pelo total de habitantes). Esse critério indica o “padrão de vida” da população, não levando em consideração a desigualdade social da distribuição de renda

Vamos concluir essa primeira parte, dizendo que Che Guevara, saiu de Cuba, bem antes desse estágio, mas era isso o que Guevara queria, esse era o seu sonho.

Che Guevara queria que o povo tivesse acesso a todas as oportunidades, ou seja, na educação, na saúde, na moradia, nos resultados da tecnologia e ciência, que o povo participasse nas decisões de governo, mas de que modo?

O pensamento de Guevara era de que somente um grupo assumindo o poder, levaria bem estar ao povo. Mas como assumir o poder? Através de um movimento armado, ou seja, de uma revolução.

Revolução supõe mortes. Quantas? Incontáveis. Quem pode prever?

Fulgêncio Batista foi um ditador tirano, provocou muito atraso em Cuba, sufocou o seu povo. Guevara estaria certo em participar ativamente da Revolução Cubana? Qual o governo que deu mais futuro a Cuba, o de Fulgêncio Batista, ou o de Fidel Castro?

Todavia o sistema capitalista, também leva a mortes, muitas mortes, de fome, de doenças, só que o capitalismo, com sua desigualdade social, causa a morte de milhões de pessoas de forma incruenta. Além disso, o capitalismo favorece o analfabetismo, o acesso à ciência é eletivo. O desejo de acumular do sistema, leva a guerras, a males incalculáveis à população mundial.

II. Quem estaria mais próximo dos valores do Evangelho de Jesus de Nazaré, dos três nas fotos, seria o Padre José Antônio de Maria Ibiapina?

Ibiapina, formou-se em direito, exerceu cargos na Magistratura e, posteriormente foi eleito Deputado Federal. Ibiapina, decepcionou-se com a política e abandonou a vida civil para dedicar-se a vida religiosa.

Ibiapina tinha 47 anos, quando, padre, tomou a iniciativa de criar um Projeto Missionário na Região Nordeste, criando missões evangelizadoras. Ele evangelizava com ações concretas, construiu diversas casas de caridade, para abrigar pessoas doentes, inclusive de cólera. Nessas casas ele formava jovens que depois seguiram a vida religiosa, tanto acolhia os doentes como dava uma formação moral e cristã a jovens do sexo feminino.

Além dessas Casas de Caridade ele construiu Igrejas, capelas, cemitérios, açudes, cacimbas, onde as pessoas coletavam água potável. O Padre Ibiapina também ensinou aos agricultores sertanejos várias técnicas que facilitava o trabalho deles. Ele não limitou sua vida religiosa à administração dos Sacramentos ou à liturgia, no século XIX defendeu enfaticamente os direitos dos trabalhadores rurais, quando somente, mais de um século depois é que veio criar-se a Legislação Trabalhista. As ações, a vida de Ibiapina, inspirou dois personagens históricos nordestinos: Padre Cícero Romão e Antônio Conselheiro. O jornalista Nertan Macedo, conhecido como pesquisador sério da história sertaneja, afirma que as expressões “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo” e “Meu Pai”, muito usadas por Antônio Conselheiro, foram copiadas do Padre Ibiapina.

Ibiapina, na sua vida apostólica, usou mais a prática cristã, do que a prática religiosa, é tanto que deixou marcas significativas na vida das pequenas comunidades do interior do Nordeste.

O Padre cearense, não resta dúvida, foi um precursor da Opção pelos Pobres, firmada pelos quarenta bispos que assinaram o Pacto das Catacumbas (talvez a resolução mais significativa do Concílio Vaticano II), o qual posteriormente deu origem a contemporânea Teologia da Libertação, conforme o Sacerdote Jesuíta Pinto Júnior.

O Padre Ibiapina, já sem forças, pediu a um grupo para levá-lo em cama ou rede para visitar as casas de caridade. Deu a vida pensando em aliviar o sofrimento do Povo.

Conforme a Wikipédia, 17 autores pesquisaram a vida do Padre Ibiapina, e publicaram livros. Destacamos o Pe. Ernando Luiz Teixeira de Carvalho, autor de vários livros sobre o missionário Ibiapina. Lamentamos muito o falecimento do Pe. Ernani, ontem 08/01/2021, não conseguindo superar as consequências da COVID-19.

Apesar do pai de Ibiapina ter sido fuzilado em praça pública, por ter participado da Confederação do Equador, Ibiapina não era um revolucionário, no sentido de defender a luta armada. Ele era afeito a caridade, próprio do seu tempo.

III. Dom Antônio Batista Fragoso, primeiro bispo de Crateús, de 1964 a 1998, estaria mais próximo dos valores do Evangelho de Jesus de Nazaré, do que Ernesto Che Guevara e o Padre Ibiapina?

As atividades pastorais de Dom Fragoso e do Padre Ibiapina, eram muito semelhantes, no aspecto que focavam o trabalho social da Igreja.

Dom Fragoso também era oriundo de uma Igreja tradicional, com resquícios da Cristandade, porém no curso de filosofia começou os estudos de autores independentes da tradição religiosa e, começou a se questionar, quanto a uma Igreja administradora dos sacramentos, e voltada quase exclusivamente para a “salvação das almas”.

O primeiro passo foi a assistência eclesiástica à JOC, a qual lhe trouxe o conhecimento da dignidade do trabalhador, do Jesus operário, do trabalho da Igreja voltado para o social, ou seja, o sindicato e a defesa dos direitos dos trabalhadores.

Participou do Concílio Vaticano II, onde ele assimilou a concepção de Opção pelos Pobres, através do Pacto das Catacumbas, de que foi signatário.

Eis que foi nomeado primeiro bispo de Crateús no Ceará, e lá convidou pessoas para formar uma equipe com a mesma visão: Construir uma Igreja Popular e Libertadora.

Essa equipe inspirada e seguindo o Jesus da História, começou a viver os valores do Evangelho. Olhando a sociedade crateuense, teve a sensibilidade para notar que a categoria mais desprezada eram as Vítimas da Prostituição, ou como insistia Dom Fragoso, as Prostituídas (porque alguém as prostituiu). O trabalho com elas foi de lhes conscientizar que poderiam ser donas do seu destino, tinham a mesma dignidade dos mais afortunados. Em seguida um padre, Alfredinho, foi morar na própria Zona de Prostituição. Ele ocupou a mesma casa onde morava uma prostituída, usava as mesmas panelas, comia na mesma mesa, todavia dava um testemunho excepcional do amor de Deus, presente e solidário em todo o seu sofrimento.

Depois foi iniciada a alfabetização delas e foram promovidos cursos profissionalizantes, chegando a formar uma Cooperativa (das Prostituídas).

Dom Fragoso havia, em uma de suas viagens a Europa, conhecido na França uma militante sindicalista de nome Paulette Ripert, convidou-a para trabalhar, em Crateús, na formação política dos trabalhadores rurais. Os trabalhadores aprenderam a se organizar, a se articular e partiram para reivindicar seus direitos inclusive com greves. Conseguiram desapropriar terras através da Reforma Agrária.

A Equipe de Crateús, convidou estudiosos para ajudar na evangelização dos diocesanos. Convidou Frei Carlos Mesters, OCM, um dos maiores biblistas do mundo, fundador do CEBI. Carlos Mesters teve oportunidade de escrever um dos livros mais expressivos que conheço, Seis dias nos porões da humanidade. Partiu para os Círculos Bíblicos (estudo popular da Bíblia) formando comunidades na base da Igreja e da Sociedade, o que deu origem as CEBs da Diocese, Comunidades Eclesiais de Base. Crateús chegou a ter setecentas CEBs, o que dava uma formidável capilaridade a essa Igreja nascente. Em seguida vieram Leonardo Boff, Frei Betto, Clodovis Boff, José Comblin, Frei Libânio, Ivone Gebara, Frei Domingos Fragoso, Frei Hugo Fragoso, e muitos outros. A todos Dom Fragoso dizia, você não veio ensinar ao povo, veio aprender com ele.

Uma Igreja Popular e Libertadora, voltada para os mais pobres, para os trabalhadores, chamou a atenção do Brasil e do Mundo. De um lado os comunistas revolucionários, a exemplo de Carlos Marighela, convidaram Dom Fragoso para participar da luta armada, ao seu lado. (Há dois ou três anos, encontrei um militante, José Calixtrato, que assegurou ter sido ele o portador de Marighela para convencer Dom Fragoso a participar da luta armada, tendo o bispo respondido que já fizera a sua opção de seguir os ensinamentos de Jesus de Nazaré, contidos no Evangelho, que não previam a luta armada).

Dom Fragoso, em sua última entrevista aos Professores Alder Júlio, Luiz Gonzaga Gonçalves e a mim, publicada em Dom Fragoso, o Profeta dos Pobres fala, instado a revelar o nome do intermediário entre ele e Marighela, manteve a discrição e levou com ele, este sigilo.

De parte da Ditadura e da Igreja Conservadora, se deu grande perseguição. O Cel. Hugo Ligneul foi nomeado comandante do 4º BEC, Quarto Batalhão de Engenharia e Construção, em Crateús, com a finalidade de vigiar todos os passos de Dom Fragoso. Esse militar, me disse, que desde sua chegada recebeu denúncias do Bispo de Crateús, acusando-o de comunista, mas nenhuma tinha consistência. Deu-se tal aproximação entre o Coronel e o Bispo, tendo o Cel. Ligneul mandado duplicar no mimeógrafo do Quartel cópias do Curso de Alfabetização de Paulo Freire (utilizado pela Diocese), considerado subversivo por grande parte das Forças Armadas. A esposa do Cel. Hugo, D. Adilis, filha do Marechal Henrique Teixeira Lott, foi monitora deste mesmo curso de Alfabetização. O Comando do Exército tomou conhecimento desses fatos e, destituiu do Comando do Batalhão o Cel. Hugo Ligneul, e criou condições para que ele deixasse o Exército, e ele deixou.

Dom Fragoso, deu ênfase a outros valores que talvez Crateús tenha sido o precursor: Na intenção de desenvolver o afeto, essencial à personalidade, à sociabilidade, criou as equipes paroquiais mistas, de padres e religiosas.

Estabeleceu a colegialidade, em que as decisões eram comuns, e cada voto, inclusive o do bispo era um só.

A Equipe pastoral criou um slogan, opção pelos pobres, vivendo a insegurança dos pobres.

Diante do resumo da vida dos três personagens das fotos, já seremos capazes de responder a indagação que me inquieta?

Na minha opinião o objetivo deles é o mesmo, o bem estar do povo, aliviar o sofrimento do povo, preparar o povo para assumir o seu destino.

Começamos este texto com uma pergunta, vou terminar com uma pergunta:

Podemos dizer que as atividades dos três das fotos, em relação ao Povo, é complementar?

João Fragoso

10/01/2021

Joca Fragoso
Enviado por Joca Fragoso em 02/02/2021
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