Imitando o Bruxo

     1. Como minha memória já não me merece a confiança esperada, costumo ler, anotando o que, de fato, me interessa. Para isso, mantenho ao meu alcance um caderno onde anoto os trechos e frases inteligentes saídos da caneta dos autores do momento. A maioria do que recolho, além de me chamar a atenção, encanta-me.
     
2. Quando não uso o caderno, para guardar esses trechos e frase, os sublinho no próprio livro, com canetas marca texto, de preferência amarelas. Sou criticado porque leio riscando os livros. Não ligo. O livro é meu e faço dele o que eu quiser, até não ler, relegando-o ao esquecimento.  Existem livros que a gente não consegue passar Prefácio.
     
3. Dizem que há incovenientes de ler riscando livros, sublinhando o que você elege como ótimo e encantador. Dizem que em cada trecho e frase anotados, você pode estar se denunciando. De repente, expondo suas preferências ideológicas , opções políticas, desejos e apetites amorosos, conclusos ou inconclusos.
     
4. Fui amigo de um casal, no século passado - ele, um dos melhores cronistas que conheci, lido e erudito e ela, devoradora irrequieta de bons livros, religiosos e profanos -, e as anotações colhidas por ambos, em suas leituras, e assinaladas, levaram-nos à separação.       Uma frase amorosa sublinhada por um deles fê-los litigantes, e deu num desquite amigável. No Brasil, ainda não vigorava a Lei do Divórcio.
     
5. Agora, não posso negar: muitas dessas frases e trechos captados em minhas leituras, ajudaram-me a enriquecer minhas crônicas. Sem essa valiosa ajuda, o que ando escrevendo correria o risco de desaparecer nas águas profundas e ingratas do anonimato antecipado. Em outras palavras, minhas crônicas estariam todas mortas e sem direito à ressurreição.
     
6.  Não sou o único escriba viciado em anotar o que de bom e bonito encontro nas minhas leituras. Há escribas, célebres, por sinal, que copiam trechos e frases de romancistas, cronistas, poetas, contistas, etc., etc,. que surgem à sua frente; e o fazem sem nenhum acanhamento. Eu, particularmente, não acho nada demais.
     
7. Quantos trechos e frases modelares o nosso saudoso Josué Montello recolheu de seus brilhantes colegas de ofício para escrever os seus "Diários, ...da Manhã, ... da Tarde, ... do Entardecer e o "Diário da Noite Iluminada",  para mim, o mais bonito de todos.
     
8. Agora - pasmem! - nosso escritor maior, Machado de Assis, tinha igual costume. E a confirmação dessa sua saudável "mania" veio do escritor e poeta Mário de Alencar (1872-1925), amigo íntimo do Bruxo. 
     Josué Montello, no Brasil, aplaudido como o sucessor da beleza literária do autor de "Dom Casmurro", divulga, no seu "Diário de uma Noite Iluminada", o que Mário divulgou.  
     
9. Vejam o que escreveu Montello: "Mário de Alencar, amigo íntimo de Machado de Assis, encontrou nos papéis do romancista, logo após a sua morte, muitas notas de leitura dos clássicos portugueses. O mestre copiava-lhes os trechos seletos, as frases, o emprego das palavras, ao longo de constante aprendizagem silenciosa, e foi isto que o levou à condição de mestre de todos nós". 
     
10... "que o levou à condição de mestre de todos nós", termina Josué Montello, me dando a garantia de que estou no bom caminho, imitando o Bruxo do Cosme Velho.
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/02/2021
Reeditado em 01/02/2021
Código do texto: T7174013
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