UMA BRIGA SEM PÉ NEM CABEÇA
Certa feita, presenciei um cena inusitada no meio da rua. Era tarde da noite e eu vinha cansado do trabalho, a vista meio turva, uma fome desgramada. Sem contar o arrodeio pra chegar em casa. Tanto ônibus só pra atravessar a cidade, imagine que absurdo. Pois bem.
Como se não fosse suficiente a canseira, notei uma agonia num beco escuro. Uma zoada miúda, mas baderneira. "Não deve ser nada", comentei baixinho comigo. E lá segui eu, andando no passo lento com minha sandália de borracha. "Cale a boca, AlbeEEErto!", badernou a mesma voz fina, numa lamúria do cão. A curiosidade bateu violenta, aí eu encasquetei. Nunca tinha ouvido gente com voz de rato.
Encostei mais perto de uma mureta do beco, e chegando no cantinho dele a única coisa que pude perceber foi o ruído de um bater de asas. Algum inseto desesperado no canteiro, é o que parecia. Aí eu olhei de novo, agora apertando a vista, e mesmo assim não acreditei no desatino que enxerguei. Não me tinha duas baratas discutindo, cada uma apontando a perna pra outra, como se fosse dedo de gente? Se outra pessoa visse, ia dizer que foi loucura aquela ladainha, mas que eu vi, eu vi. Uma briga violenta, sem pé nem cabeça.
"Tô azoado das ideia. Onde já se viu bicho falar assim?", pensei até. No mesmo instante uma barata atribulada se virou pra mim.
— "Vaza, curioso!".