QUANDO PARIS ERA FESTA. PARIS E SEUS SEGREDOS.
Li faz pouco tempo algumas referências no site sobre a monumental Paris. Pensei em colocar neste espaço um pouco daquela fantástica cidade que me seduz e a minha mulher de forma envolvente.
Paris, cidade luz, é como dizia o Rei Carlos V, um mundo. Não sem razão, o nobre afirmava que “As outras cidades são cidades, Paris é um mundo”.
Assim, nessa certeza, sendo “um mundo”, Paris para ser conhecida é preciso dedicação, tempo e pesquisa. Mas vale à pena, o retorno é imenso. Lamentavelmente, islamismo e outras violências, perduram faz uns cinco anos. Tiraram de Paris sua tranquilidade e encanto.
Desde a primeira vez que fui, diante de meu encantamento e de minha mulher - que por tanto caminhar em Paris ganhou um “neuroma de Morton” em seus pés, o que motivou uma operação e o elogio do cirurgião, ao dizer que “este era um pequeno sofrimento dentro dos grandes prazeres alcançados”, ele também um apaixonado pela cidade – não conseguimos parar de voltar. Tirou o Morton com cirurgia.
E assim Paris foi minha porta de entrada e saída da Europa, por longos anos, embora tenha cidadania italiana e pela Itália apaixonado, por força de berço.
Realmente Paris é um mundo, o mais belo mundo que se pode encontrar em termos de cidade, principalmente quem gosta de arte e gastronomia, Meca de tudo, polo concentrador dos grandes gênios da cultura conhecidos se assim deseja a curiosidade. Isto se consegue dentro de seus segredos e fora do curricular trânsito turístico, também e muito, de inestimável valor para os olhos.
Mas Paris e seus arredores são muito mais, a “pequena e grande cintura”; necessita-se, contudo, de tempo e pesquisa para conhecer tais espaços. Não é em vão que muitos que lá foram querem voltar ou voltam sempre, como disse em artigo o amigo Paulon, que teceu considerações sobre o café “De Flore”, “ au coeur de Saint-Germain-des-Prés, na famosa esquina onde se encontram os intelectuais, próximo ao “Les Deux Magots” e “Brasserie Lipp”, local onde Camus, Malraux, Sartre e tantos outros frequentaram, também Hemingway, mas não foi lá que se deixava ficar a escrever, mas no “Closerie de Lilás”, closerie, pátio, onde o dono nada cobrava aos célebres, mas pedia suas assinaturas em um festejado livro de famosos, tendo Salvador Dali se recusado a assinar, mas mesmo assim nada a ele se cobrou.
Mandou trazer de novo o livro e disse: Não vou só assinar, abra no meio, em duas folhas, e fez um rápido desenho a lápis, dizendo após assinar: “agora este livro vale miihões”; e passou a valer.
Somente um brasileiro tem nele seu nome; Pelé. Logicamente, nunca assinei o livro, mas do local tenho um velho e antigo “cendrier”, cinzeiro, um “cadeaux”. Fui lá várias vezes. É um lugar encantador.
Li outras manifestações sobre a inigualável metrópole.
Afastados os máximos ícones parisienses turísticos, de todos que lá foram conhecidos, ainda que em excursões, tais como Arco do Triunfo, Torre Eifel, Campos Elísios, Notre Dame, Praça da Concórdia, Louvre, etc, Paris descortina sutilezas e segredos para degustação dos sentidos apurados ou não, nos deixando sempre com vontade de voltar, como a extasiante antiga biblioteca abobadada e mesmo a moderna, obra de Mitterrand.
É preciso tempo e incontáveis retornos como fiz para realmente conhecê-la um pouco mais, é mais do que um mundo, é uma mágica.
No Louvre, de difícil visita diante de suas proporções, não se pode deixar de admirar a Vitória (Nike) de Samotracia, bem ao vestíbulo (é um segredo sua história e deve ser conhecida) que depois do Laooconte, encontrável no Museu do Vaticano, é a mais cultuada escultura de todos os tempos, de autor desconhecido, encontrada no mar profundo da Grécia, ou ainda a pedra preta de diorito, que encerra o mais antigo código formal do mundo, o de Hamurabi, que se pode tocar, ou ainda a carismática mas feia Monalisa, retrato de Lisa de Guerardini, pago o retrato por seu marido, conhecida como “La Gioconda”, ou a incrível coroação de Napoleão, de Louis David, artista expressionista, do tempo da arte “pompiers”, David, o retratista do reino ( já que retratos inexistiam) comparável aos grandes El Greco ou Velasques, ou ainda a Vermeer em suas sombras e luzes.
Os escravos de Michelangelo podem ser vistos também, mas perdem para o que se pode ver em Florença, capital do renascentismo, onde como se diz, se tropeça em obras de artes nas ruas. Capital eterna da arte.
Mas “os escravos” deixam o traço do inigualável escultor, que só perdeu em movimento, a clássica escola, quando entronizado o barroco por Bernini com seu David – que se encontra na Galeria Borguese - tirando da imobilidade o David do Museu da Academia, Firenzi, maximamente visitado em Florença, com seu gigantismo. Está distante, contudo, quando empunhando a funda o David de Bernini, em movimento expressivo, torna-se incrivelmente mais tocante, estando em Roma na Galeria Borghese, nos arredores da cidade eterna.
Paris é o mercado de Bucci, de alimentos, no antigo estômago de Paris, hoje pontificando o Beaubourg, próximo ao “Les Halles”, onde se fica extasiado, local do antigo cemitério de história aterrorizante para quem a conhece, ou a Roseraire, centro floricultor das mais exclusivas rosas do mundo, verdadeiros repolhos em tamanho, que põem de joelhos a capital planetária das flores, a Hollanda, ou as mulheres feitas “`a canivete” do “Crazy Horse”, todas iguais em seus corpos nus e esculturais, dançarinas exímias, que se engordarem quinhentos gramas são descartadas dos shows, onde os japoneses de terno e gravata (obrigatórios) gritam como loucos nas primeiras cadeiras por preços proibitivos, mil dólares, sendo os falados “Lido” e “Moulin Rouge” casas de quinta categoria frente ao famoso espetáculo da Avenue George V.
O lugar em que está já demonstra o que é, próximo a Maison Blanche, na Avenida Montaigne, onde o jantar é servido por inúmeros garçons no correr de apresentação do pratos aos clientes, em meio a arranjos de flores de três metros de altura espalhados no enorme salão, enfeitiçando o ambiente, e ao final de indescritíveis pratos de resistência, servem os mais incríveis “petit four”, ou o Fermette Marbeuf, maravilha de “verrière”, cúpula de cristal colorido, que nos coloca em permanente contato com a mágica da arte em vidro, ou o Bofinger, na Bastilha, local de inusitada gastronomia e raríssimos vitrais, em que se reuniu a esquerda para as grandes viradas na França, anfiteatro de rara beleza dos anos 1800, ou o “Train Bleu”, fantástico restaurante que nos desvia dos delicados pratos para apreciar seus também fantásticos vitrais de quinhentos anos, e tantos e tantos outros, incontáveis de serem listados, ou a Rue Moufetard, uma das mais antigas de Paris, onde se degusta azeites e queijos após descer da Igreja de Saint Genevieve du Mont, com “jubée” (púlpito rendilhado) que atravessa o adro, inigualável em todo o mundo, ou ir ao maior pub da Europa degustar qualquer tipo de cerveja, onde se aprende que a maior quantidade de rótulos não é de produção alemã, mas belga, e em três subsolos gigantescos se bebe cerveja de qualquer fruta, isto na Rue de L`ancienne Comedie, ao lado do "Le Procope", festejado e secular restaurante, ou ir ao Monte dos Mártires, Montmartre, com seus artistas e restaurantes badalados pelos nostálgicos, elevado onde Saint Dennis chegou levando em suas mãos sua cabeça decapitada, ou visitar os jacentes em mármore de quase todos os Reis de França na Catedral de Saint Denis, a parecer diante da realidade que estamos em frente de seus verdadeiros corpos nus, já violados pela putrefação, assim esculpidos, ou ouvir a orquestra nacional da França em acerto de afinação dentro das imensas igrejas para seus eventos, noticiado com antecedência pelo Pariscope, jornal semanal com tudo que irá acontecer na semana, mas ainda e também pegar o RER, que nos leva a bucólicas “Banlieus”, arredores, como “Saint Germain En Laye”, em trinta minutos, de onde não mais se quer voltar, transporte coletivo eficientíssimo abaixo do “Metro” (o maior e mais antigo do mundo), como dizem os parisienses, desembarcando em poucos minutos em meio a campos e atraentes comunidades que se acreditava não mais existirem, quase uma Suíça, ou ainda descer ou subir o Sena de barco para visitar o túmulo de Van Gogh e de seu irmão Théo, em Auvers Sur Oise, próximo a Giverny, local da casa de Monet, hoje invadida de visitantes. Ou ver as figuras aladas de Chagal no Òpera assistindo a um evento.
E tantas e tantas maravilhas e segredos, longo de enumerar pela quantidade, o Marais e suas escondidas livrarias especializadas, o Vosges e seus Reis, o “Louvre des Antiquaires”, museu vivo ao lado do Louvre, conhecido por poucos, a maior concentração de antiquários de qualidade da Europa com tudo para venda, o Museu “Nissin de Camondo”, próximo a um dos mais lindos parques do mundo, o Monceau, casa do século XV como era na época de Louis XV, com o mesmo mobiliário, deixada para o Estado por financista em memória do filho morto na primeira guerra mundial, tudo informações que inundam minhas estantes e pesquisas em anos seguidos de frequentes visitas que compensam viver e conhecer com apuro e detalhe essas especiarias que enriquecem a alma, estando agora mais difícil de entrar com calma em alguns lugares em Paris do que anos atrás, porém e felizmente ou infelizmente, isto se dá face a grande enchente de pessoas pela descoberta da cultura francesa e europeia pelos “práticos americanos” e pela liquidez de moeda no mundo.
Mas sempre é bom voltar a Paris e ao interior da França que tive o prazer e o privilégio de conhecer em larga escala, de carro e de trem, este último meio confortável e rápido sem a mesma liberdade do carro. Como cercanias ou outras pátrias. Se vai à Genéve em Train Gran Vitesse em uma hora e meia, ou a Rouen, terra de Joana D `Arc e dos calvados em uma hora, o mesmo a Chartres e outros sítios.
Mas em minha última ida, com todo terror que tem de túmulos e sepulturas minha mulher, admitiu ir pela segunda vez a lugar memorável, o Cemitério Père Lachaise, tendo consentido pela primeira vez, por ter dito eu que lá estavam como estão, Abelard e Heloise, cuja história tanto quanto a inauguração do cemitério com seus corpos é longa, os eternos amantes que motivaram filme de enorme sucesso e que abriram o cemitério, sendo unidos em jacentes para abrir o que seria (e que não é em termos atuais, mesmo muito arborizado) o primeiro cemitério-parque do mundo.
O Père Lachaise não tem comparação com nenhum cemitério, nem mesmo com o reconhecido cemitério de Milão em termos artísticos.
Relato a última visita que ocorreu já estando em débito com minhas exigências interiores e de minha mulher, quando fomos lavar nossos espíritos revendo a perfeição dos primeiros em artes plásticas, de Rodin à Caillobote e até mesmo o quase contemporâneo Wandy Warrol, em magnífica visão de Marilyn Monroe, que apaixona pela interpretação, em exposição que ocorre de dois em dois anos no Grand Palais, exposição dos maiores antiquários da Europa.
Revisitava mais uma vez nossa segunda cidade e um dia antes da volta, pela manhã, lendo revista semanal que é publicada em Paris, como já dito, o Pariscope, dando todos os acontecimentos da semana em geral, eventos, desde concertos em igrejas sem ônus para a récita até exposições, etc. , li em "promenades", passeios, "visita guiada ao cemitério Père Lachaise", com especialista no sítio.
Indicado o local de encontro para lá me dirigi, espaço que já visitei, não com tanta informação como as agora obtidas, onde celebridades várias da história mundial, de todos os matizes, se encontram sepultadas, local de arte invulgar da estatuária, doado pelo Rei Sol, Luiz XIV, ao seu confessor, Padre Lachaise, sendo antes lagar, transformado em cemitério anos após, resolvendo problema sanitário sério no Les Halles.
No portão indicado para o encontro estava o guia Thiery Le Roy, era seu nome. Indaguei se era ele o guia e travamos o primeiro contato. Figura interessante, amante do Rio de Janeiro onde desfilou em várias escolas de samba; Beija-Flor, Portela e outras. Elogiou a estatuária do São João Batista, que inclusive tem em seu site o túmulo de Santos Dumont.
O guia não era uma pessoa qualquer. Como indicava o anúncio era extremamente culto, conhecia toda a vida dos célebres sepultados bem como dos escultores famosos, cercando suas considerações de notável humor, a ponto de ao referir-se a um dos Presidentes da França, com jacente sobre o túmulo (corpo inteiro em realismo impressionante) disse: "est mort de ecstase", ao que pensaram alguns ser de tétano.
Uma senhora francesa que passava com o marido e não estava no grupo de aproximadamente cinquenta pessoas, ouvindo o vocábulo e entendendo, surpresa, perguntou: morreu de quê? E o guia, bastante afetado, respondeu "orgasme madame, orgasme", "ce la vie".
E mostrava o retrato do momento após a morte, cercado pela família o falecido e idoso Presidente, e dizia: que situação, morrer nessa idade dessa forma. E exibia o retrato da jovem que estava com ele na hora do fato.
O guia em três horas e meia de brilhantismo encerrava seus comentários sobre as celebridades, todas poderosas, principalmente quanto aos marechais de Napoleão como Lefebvre, dizendo, mas estão aqui, também, todos mortos. O mesmo com Proust, La Fontaine, Molière, Balzac, Delacroix, Piaff, Chopin o próprio Kardec e tantos e tantos outros. Era seu acento permanente a mostrar que somos todos iguais, o que poucos entendem, independente de poder, talento ou riqueza.
Somente a Napoleão, o primeiro, ele referiu que, para ver onde está sepultado, há que se ir aos "Invalídes". Mas acrescentou, mas também está morto, "ce lá tuée".
E lá está o grande conquistador, Napoleão I, em sete caixões de ébano, chumbo e de várias madeiras, que me impressionou a primeira vez que lá fui, no monumental "Invalídes", inválidos, homenagem aos mortos e sequelados nas guerras napoleônicas, cercado de doze virgens esculpidas por Pradier, renomado escultor da época, com a abóbada do edifício vista brilhando de quase toda Paris em dia de sol, já que coberta de camada de ouro de alguns milímetros de espessura, reposta a cada cinco anos.
Mas está morto, também, como deixava sempre patente no Père Lachaise, Thiery Le Roy, o notável guia. Monumento majestático, ao qual fui algumas vezes diante da suntuosidade e beleza; mas guarda restos mortais.
O especialista e preparado guia nos deu prospectos. Em um deles está escrito, "O Cemitério Pére Lachaise é um Teatro onde vivem os mortos e se colocam em cena sobre o tema das paixões e das vaidades humanas. Eu vos convido a me acompanhar ao grande espetáculo da vida e da morte".
Lendo o prospecto lembrei da vaidade humana, o grande mal da humanidade, do que Napoleão I era mestre e profissional.
Napoleão, o grande conquistador, exercendo ao máximo sua vaidade, colocou-se em estátua vestido como um Imperador Romano no alto da colunata, na Place Vendôme, com 43 metros de altura, cópia da coluna Trajano Romana, em formato cilíndrico com grafias evocando suas conquistas, construida com o bronze dos canhões conquistados na batalha de Waterloo. A coluna da vaidade.
Também o Cemitério de Montparnasse, segundo da cidade, surpreendente pelas suas inusitadas esculturas, onde estão Sartre e sua mulher, Simone, e são depositadas nas suas moradas eternas, por admiradores, bilhetes de metro, virou hábito, ou canetas que trariam inspiração para escrever. Lá está entre outros Brancusi.
Paris precisa ser visitada e revisitada muitas vezes para saciar os espíritos irrequietos e sedentos de captar a beleza que esbanja sem medidas e doa a quem quer verdadeiramente encontrá-la. Para ser conhecida verdadeiramente. É preciso fôlego.
Só há um perigo; não mais deixá-la.