Sufocado
Iris me ligou de madrugada. Acho que eram umas 2:28.
- Alô. R.? – Ela disse.
- Estou aqui.
- Você está bem?
- Estou. Firme na insônia.
- Eu não estou conseguindo dormir hoje.
- Comigo é sempre assim.
- Então... Acho que estou apaixonada. – Ela falou depois de alguns segundos de silêncio.
- Acontece com todos.
- Não comigo. Mas ele é especial, sabe?
- Sério?
- Sim. Ele é lindo... Deve ser um pouco mais alto que você e um pouco mais magro. Anda sempre bem vestido. Gosta de poesia também. Ele sempre posta umas coisas de Caio F. Abreu.
- mhmm.
- O que foi?
- E qual o problema com ele?
- Como você sabe que tem um problema?
- Pra você me ligar uma hora dessas deve ter alguma coisa.
- É. Esqueci que já estava bem tarde. Me desculpa.
- Não é um incômodo.
- Tá. Então. O problema é que ele é casado.
- Bem. Acho que a esposa dele não vai gostar muito dessa história.
- Então... Antes o problema fosse só esse.
- Tem mais?
- Ele é casado com um homem.
- Ele é gay?
- Não exatamente. Ele se diz bissexual. E tem uma daquelas relações não monogâmicas.
- Se não é monogâmica, qual o problema?
- O problema é que eu não quero estar apaixonada por um homem que dorme toda noite com outro homem.
- Estou entendendo.
- O que eu faço?
- Não sei. Sinceramente eu não sei.
- O que você faria?
- Nunca estive numa situação nem perto dessas. Então não sei bem o que te dizer. Mas acho que não vale a pena você perder o sono por causa disso. Claramente não é o tipo de coisa que daria certo com você.
- Você tem razão.
- Aí eu já não sei.
- Obrigada por me ouvir. Vou tentar dormir agora. – Iris falou. Pude ouvir o barulho dela derrubando alguma coisa do outro lado, seguido de um palavrão.
- Não foi nada meu bem. Boa noite. – Respondi.
- Boa noite.
Deixei o telefone de lado e voltei a tentar me concentrar no livro que estava lendo antes. Mas não passei da segunda página. Larguei o livro de lado e andei até a sala. Sentei na janela, com as pernas pro lado de fora. No telhado do vizinho, um gato preto passou com um rato na boca e me olhou. Pude ver os olhos do bicho brilhando na escuridão. Na sua boca, o rato piava e se retorcia. Mas estava acabado. Aquela era a última noite dele.
O gato correu para longe com o rato na boca e se escondeu entre as calhas pra garantir o jantar.
Eu fiquei olhando pra o céu, procurando a lua entre as nuvens. Ela não estava lá...
Não me restava muita coisa a fazer além de esperar o sono ou o amanhecer do dia. O que chegasse primeiro.
Uma ambulância rasgou a avenida, rompendo o silêncio. Provavelmente carregando alguém tentando não sufocar, e esperando pelo pior.
Eu também sentia que poderia sufocar. Apesar do ar enchendo meus pulmões.
Eram meus pensamentos que tentavam me matar. A ansiedade que vinha de ter muitas perguntas e poucas respostas.
Na verdade eu não fazia questão de respostas.
Eu só queria um pouco de sono. Mas já estava acostumado a ver o sol nascer antes de poder fechar os olhos.
Desci da janela e dei de cara com Marília saindo do quarto.
Marília estava vestida apenas com uma camisa minha, que ia ate quase os seus joelhos. Apesar da cara de sono, ela tinha um sorriso nos lábios.
- Sem sono? – Ela perguntou.
- Sempre.
Ela veio, me abraçou e recostou a cabeça no meu peito.
- Quer café?
- Se você fizer, eu quero. - Respondi.
Ela me deu um beijo nos lábios e foi andando até a cozinha.
Me deitei no chão e fiquei encarando o teto. Logo o cheiro de café invadiu a casa e Marília apareceu com duas canecas nas mãos.
Ela se sentou do meu lado e me passou uma das canecas.
Era isso. – Pensei. – Eu não poderia querer muito mais...
Talvez eu estivesse pronto, enfim,
pra amar mais uma vez.