Em Círculos
- Não acho que você se importaria em saber das pedras que eu carrego nas minhas costas, do peso no meu estômago, ou os furos que você deixou no meu coração. Talvez eu tenha perdido toda a esperança de me sentir completo novamente, ou de confiar em alguém daqui pra frente. Mas ainda assim eu continuo aqui. Caminhando em círculos sem sequer saber por quê. – Carlos falou, sem olhar diretamente pra Leila.
- Você está errado – Leila respondeu depois de um longo silêncio.
- O que foi alma de gato? Você quer me dizer que de uma hora pra outra resolveu se importar comigo?
- Eu nunca deixei de me importar.
Carlos se levantou da cadeira, agarrou a garrafa de cerveja e bebeu diretamente do gargalo.
- Muito engraçado ouvir você dizer isso, Leila
- Porra! Um erro é um erro. Vai me crucificar por causa de um vacilo?
- Um vacilo? Só isso?
- Tá. Eu fui uma escrota com você. Mas não quer dizer que eu não possa ter me arrependido. Eu já fui traída. Eu sei como dói. Só queria que você parasse realmente pra ouvir o que eu tenho pra falar.
- Certo. Estou ouvindo.
- Quer se sentar, por favor?
- Vou pegar uma cerveja antes.
Carlos andou até o balcão do bar e pediu uma cerveja ao garçom. Quando voltou ela estava fumando um cigarro e batendo os pés no chão freneticamente.
Ele se sentou novamente, encheu os copos e ficou observando enquanto ela fumava.
- Eu fui uma filha da puta, ok? Você não merecia o que eu te fiz. Sei que perdi tua confiança, teu afeto, teu amor. É normal na minha vida. Eu nunca dei valor às coisas que eram realmente importantes. Eu quero que você saiba que eu me arrependo. Mas se você for ficar me massacrando aqui, eu vou pegar as minhas coisas e vou embora. – Leila disse, exasperada.
Carlos tomou um gole de cerveja e permaneceu calado, tentando digerir o que ela tinha acabado de falar.
- Não vai dizer nada? – Ela perguntou.
- Você quer que eu seja sincero?
- Sim.
- Não tenho nada pra dizer. Nada que eu já não tenha te dito. Não sei se estou pronto pra te perdoar ainda. Não sei se vou estar algum dia.
- Eu imagino. Está tudo bem.
- Não. Não tá tudo bem. Mas uma hora vai ficar... Tenho certeza que sim. Mas por enquanto não posso estar perto de você.
Leila concordou com a cabeça, virou o copo de cerveja, se levantou e foi embora.
Carlos enxugou uma única lágrima que lhe escorreu e continuou sentado, olhando pro copo vazio que ela havia deixado sobre a mesa.
Alguns minutos depois Milena entrou no bar. Ele se levantou e a abraçou afetuosamente.
- Você está bem? – Ela perguntou.
- Estou. – Ele mentiu.
- Tem certeza? Parece que você viu um fantasma.
- De certa forma, é exatamente o que aconteceu.
Milena abriu um sorriso amarelo, sem entender exatamente o que ele queria dizer, e os dois se sentaram.
Milena pediu outra cerveja e se recostou na cadeira.
- Você e seus mistérios...
Carlos ficou olhando pra ela sem dizer nada. Então se moveu subitamente e lhe deu um beijo nos lábios.
Mesmo surpresa, ela correspondeu, e depois do beijo, abriu um sorriso.
- O que foi isso? – Perguntou.
- Cansei de andar em círculos.
Milena se recostou na cadeira e tomou um gole da cerveja.
- Não vou nem tentar fingir que eu entendi, mas gosto da sua espontaneidade.
Carlos sorriu.
Mesmo que talvez ainda estivesse no mesmo lugar, andando ao redor de si mesmo, pelo menos agora ele sabia que valia a pena continuar caminhando.