Liberdade de Imprensa

Pode a natureza humana ser modificada de tal maneira que o homem esquecesse seu desejo de liberdade, dignidade, integridade, amor – ou seja, pode o homem esquecer que é humano? Ou tem a natureza humana uma dinâmica que reagiria à violação dessas necessidades humanas básicas com a tentativa de transformar uma sociedade inumana em humana?

Aldous Huxley, Regresso ao Admirável mundo Novo

Liberdade de Imprensa

"A Revolução dos Bichos" (título original 'Animal Farm: a Fair Story') é uma ousada sátira da ditadura stalinista na União Soviética, poderosa aliada dos ingleses na luta contra o nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, agravado pelas figuras de porcos como os ditadores em seu conto de fadas - o que seria um insulto aos líderes soviéticos-, a obra de George Orwell foi alvo do que ele chamou de censura literária.

Diante de algumas recusas de publicação de seu livro, Orwell propôs um prefácio à primeira edição inglesa, de 1945, intitulado" A liberdade de imprensa", mas que só foi publicado em 1972 no The Times Literary Supplement. Naquele prefácio, em um momento em que o próprio autor alega que a censura oficial na Inglaterra não era incômoda, Orwell faz duras críticas à imprensa inglesa, afirmando ser a censura literária voluntária, quando “ideias impopulares podem ser silenciadas, e fatos inconvenientes podem ser mantidos à sombra, sem a necessidade de nenhuma proibição oficial”.

A predominância, segundo Orwell, naquele momento de guerra, era uma admiração acrítica da União Soviética: “Qualquer crítica séria ao regime dos sovietes, qualquer revelação de fatos que o governo soviético prefira manter ocultos são coisas praticamente impublicáveis”. E continua, afirmando que “embora não lhe seja permitido criticar o governo soviético, pelo menos temos uma razoável liberdade para criticar o nosso”. Quão atual e acertada é a crítica de George Orwell, pois não está presa nem no tempo nem no espaço. Assim como na imprensa britânica naquele momento belicoso, verifica-se que a imprensa atualmente tende sempre a criticar severamente o nosso Governo Federal, sem a menor cerimônia e criando intrigas várias, porém se cala diante de absurdos praticados por outras esferas de poder, que cerceiam a liberdade do povo sem pestanejar.

O prefácio aponta, ainda, que “sempre que a URSS e sua política estão em jogo, não se pode esperar críticas inteligentes nem, em muitos casos, pura e simples honestidade dos escritores e jornalistas liberais...”. E hoje percebemos que, quando a política chinesa está em jogo, como espionagem industrial, manipulação de fatos, ocultação de dados referentes à pandemia que surgiu na própria China, a imprensa se cala e prefere apontar erros e falhas – em sua maioria inexistentes – nas lideranças republicanas americanas e em outros governos de direita; creem cegamente (por obrigação ou por negligência, sabe-se lá) nos números sobre infectados e mortos informados pelo governo de Pequim, um regime controlado com mão de ferro pelo Partido Comunista Chinês, sem liberdade de imprensa e de pensamento, onde médicos e jornalistas foram presos por divulgarem fatos concernentes à pandemia sem o aval do PCC.

George Orwell, na crítica sensata à imprensa inglesa, afirma que era considerado “adequado noticiar a fome quando acontecia na Índia” - ainda uma colônia britânica -, “mas escondê-la quando assolava a Ucrânia”, fato ocorrido no início dos anos 30 do século passado, quando um projeto de agricultura de Stálin fracassou e, mesmo testemunhando o desastre, pouco se importou, ocasionando, aproximadamente, 10 milhões de mortes ente os ucranianos.

O que esperar dessa imprensa hoje, que noticia como crime do Governo Federal brasileiro incêndios sazonais na Amazônia e no Pantanal, mas como fenômenos naturais os incêndios na Califórnia democrata? Olavo de Carvalho alertou, em 1996, que a seletividade da imprensa é deformante e tem um potencial imbecilizador, que pode resultar em desastre e “tornar um povo incapaz de perceber as coisas mais óbvias”. A imprensa, principalmente nesses últimos anos, e mais ainda no período pandêmico atual, tem posse de uma verdade fabricada e que não pode ser contestada, uma falsidade apaixonante – palavras de Aldous Huxley – que pode eclipsar uma verdade sem luz.

O jornalismo, hoje, possui alguns calabouços, e um deles é como o Ministério da Verdade da distopia orwelliana "1984", onde a história era reescrita conforme a necessidade do Partido. Ora, uma emissora, na recente epidemia de Zika, noticiava a importância do uso do medicamento Hidroxicloroquina por mulheres grávidas para uma possível prevenção de doenças nos fetos; na pandemia em que vivemos hoje, o uso do mesmo medicamento foi rechaçado devido a não haver comprovações científicas de sua eficácia como também de efeitos colaterais; isso mesmo, aquela mesma droga que fora indicada a mulheres grávidas estava sendo execrada para o uso em demais pacientes. Qual o intuito de se reescrever essa história? Entretanto, ignorando dados, como a falta de conhecimento dos efeitos colaterais a médio e longo prazo, a imprensa anseia pelo uso urgente da vacina contra a Covid-19, como se fosse o Santo Graal, uma panaceia.

O leitor, segundo Olavo, não pode ser manipulado a ponto de não perceber as dessemelhanças entre aquilo que é noticiado e o mundo em que vive - aquilo que presencia. É preciso reagir e buscar a informação precisa, investigar cada verdade que é apresentada pela imprensa a fim de reter o que é bom. Liberdade de imprensa sim; libertinagem, não.

Rogerio Braga Bandeira