1989... ANO PARA ESQUECER !

1989... ANO PARA ESQUECER !

"Quem fala a verdade

não merece castigo!"

(ditado popular)

Não, amigo leitor, isto não é mais verdadeiro... agora, se você fôr contar fatos precisa se acautelar, evitar nomes ou indícios (locais, eventos, etc) que permitam identificar o retratado, pois êle pode -- embora o relato seja fiel aos fatos -- te processar por... DIFAMAÇÃO ! Corro os riscos porque 1989 foi farto em "estórias" dos tempos em que a Capoeira, no Brasil inteiro creio eu, era praticada de qualquer maneira e ninguém procurava verificar se o tal pretendente ao ensino dela ENTENDIA realmente da Arte-Luta. Ficava-se na situação de -- ao alertar o diretor de uma Escola ou dono de Academia sobre a "qualidade" daquele mestre -- ouvirmos o seguinte comentário:

-- "Mas as aulas dele são tão... engraçadinhas" !

E olha que falo de um Universidade classe A, 600 mil cruzados mensais (ou coisa parecida) "por cabeça" ! E de gracinha em gracinha findamos nessa "Angola paraense", na falata de definição melhor. Mas, voltemos a 1989 !

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Terminamos 1988 "na rua da amargura", a casa onde morávamos comprada (junto com 30 e tantas mais) por supermercado... para serem DEMOLIDAS ! Ironia maior de um país cínico: construídas com dinheiro do povo, a estatal responsável fingiu não ver todo aquele absurdo ! Um amigo -- feliz de quem os tem ! -- nos cedeu garagem, na qual dava aulas de Inglês. Sem banheiro, água encanada, janelas, nada... até que outro amigo -- mestre "Robertão" -- nos cederia casa sua, desocupada, num loteamento, uns 2 meses depois. Nesta, gravador na mão, entrevistei um jovem que viria a ser, poucos anos depois, o "rei da Angola" de nosso bairro. Despreparo total, "arranhava" no berimbau cantando "coisas" dele do tipo "Capoeira é um cinzeiro" ou "os turistas ABELHUDOS estão chegando". Teríamos, meu irmão e eu, vários "encontros" com a figura, que só não virou professor no nosso projeto (do CCCP) em 1988 porque morava numa "invasão" e lá não o localizei. Por volta de abril ou maio/89 faria show em teatro de Belém, a convite, encenando Jorge Amado. Apresentou-se "tocando" berimbai com o dedo... reclamei da cena, explicou que a madame não queria barulho na tal peça. Me ofereci para lhe fazer o folder do evento, de graça... ela dispensou a ajuda ! Fez folheto horrendo, rabiscos feitos a mão e parte com máquina de escrever, um desastre.

O sujeito apoiava "seu mestre" numa Academia para ricos, atrás da Basílica. Certa noite passei lá... NADA de aula ! Insisti para êle começar ao menos o aquecimento... não teve coragem ! O grande nome raramente dava aulas, mas fez o "saltador" de mestre ali (*1), com a gente lhe emprestando abadá, pois nem isso tinha. Seu grande mestre parecia turista japonês... meu irmão o alertara que estava lá um "verme" com corda azul e que nunca fora sequer batizado, além de pouco ou nada saber.

O mestre reconheceu a "peça"... era o rapazote que lhe dera sonoro tapa na cara, semanas antes, num Batizado dele e que fôra filmado por estudantes da USP. A´te onde sei o "mestrão" exigiu a fita do evento e, salvo engano, um certo Guimarães levara a única cópia para Manaus. O ano de 1989 marcou "nosso ingresso" na Capoeira de Belém, requisitados EM CASA pelos 2 nomes maiores dela aqui, para realizar seus caprichos INÚTEIS, já que não levaram à frente nenhum dos projetos iniciados com nossa ajuda. De um, tivemos que MADRUGAR, largando a venda de jornais a fim de chegar 7 e meia ao local de treino de maculelê... nos atendeu lá pelas 9hs, 9 e meia, a fome batendo nos estômagos vazios. Apareceu com paus (grimas) de 60 cm, quase chegando ao umbigo dele e dizendo gracejos do tipo "hoje 2 cariocas vão me bater" !

Fomos embora muito chateados, parecia piada, ainda temos a sensação de que estivera "gozando da nossa cara". Pouco depois me procuraria de novo, agora para visitar alunos ricos, milionários mesmo, aos quais ensinara 15 anos antes. "Quebrou a cara"... conseguiu uns 200 reais, se tanto, e o projeto de um grupo novo "foi pro brejo" ! Pra meu castigo, ainda mexeu no NOME que criei pro tal Grupo, que só viria a efetivar (por pouco tempo, creio) uns 15 anos adiante.

Voltemos ao anterior... soubera de alguma forma do projeto de Grupo do "concorrente" e -- como viviam se imitando -- tratou de fazer o seu. Curiosamente, não procuravam seus alunos, SÓ A NÓS ! E lá fui eu pra mais uma "aventura"... encontrá-lo na Praça da República, junho talvez, a cidade vazia, num sábado suponho. E não é que havia lá dúzia e meia de garotos, boa parte com uniforme... mas nem o cumprimentaram. (Usava-se espalhafatoso "SALVE" a la Hitler !) Fomos todos atrás do "mestrão", que levou a turba, abadás sujos de poeira, para o bar nobre da Academia seleta, para espanto dos garçons. Explanou para os meninos a idéia do "Grupo-Show África não-sei-o-quê" e, em seguida, os dispensou sem 1 copo d'água sequer. Me conduziu a pé até um bar em frente a Rodoviária, de um amigo dele, onde faria o primeiro evento. O "portuga" -- muito p*to com a "folga" do abusado -- quase o agrediu ! Pra mim aquilo foi a gota d'água !

Nisso lá foi meio 1989... a gente conseguira comprar lote de área numa "invasão" recém-criada e construíra (com ajuda, claro) um barracão de 4 x 8 metros, onde "bolamos" a primeira exposição, feita de papel reciclado e muita disposição. Fizemos a Imprensa chegar até lá, porque os Jornais de Belém jamais negaram apoia á Capoeira... fotos da hoje famosa Paula Sampaio e texto de uma gaúcha que deve ter achado INCRÍVEL tudo aquilo !

É "meia hora" na casa nova (12,30hs aqui) e lá vem o "mestrão" do bairro EXIGINDO que eu fosse com êle até Marituba. Êle nunca pedia nada, achava-se DONO das pessoas e da situação, era de uma prepotência sem limites. Podia ter recusado, porém meu instinto de escritor falou mais alto... a cidade vazia, talvez fosse algum feriado. Conseguiu 4 "gatos pingados", eu entre êles que, avisei logo, iria ficar só no berimbau.

O "mestrão" teve que jogar, mostrar o que não sabia ! Deu azar: meu irmão, a platéia, mandou pra "Roda de 3" um menino de 9 anos ("Elesbomba") que era um perigo, tinha "meia-lua assassina". O mestre tremeu ! Reconhecera o "peste", o garoto (aluno do "Carioca") jogara com o super-mestre e lhe acertara 1 martelo no fígado, justo no fatídico Batizado no qual o "mestrão" levara a tapona desmoralizante. Desta vez, prevenido, o mestre meteu a mãozona na cabeça do guri, impedindo-lhe a aproximação. Apupos na platéia, vexame total ! Microfone na mão, o "mestrão" ofereceu 10 VAGAS GRÁTIS na tal Academia onde iria dar aulas de Capoeira.

FIM da história... e semanas depois encontrei o aluno dileto do "trapalhão". Como estavam as coisas lá ? Êle não sabia ! Como o mestre NÃO DAVA AULAS, acreditei que o futuro "angoleiro" o substituiria... me enganei ! Fui à Academia, bonita e bem cuidada, com chuveiro e bebedouro elétrico. O jovem proprietário estava desolado... os dez interessados (para as aulas DE GRAÇA) cobravam dele o ENSINO e o tal mestre nunca mais aparecera.

Não terminaria 1989 sem fato semelhante, agora em Belém: nos jornais escola de luxo na Av. Gov. José Malcher contratara mestre de Capoeira... e o nome do sujeito ! Fui saber, afinal êle não dava aulas !

-- "Pois você se enganou, neste momento está lá no ginásio ensinando" !

Seguimos pelos corredores... vi na quadra jovem de uns 18 anos, do meu bairro, cujo "treino" era "dar salto mortal" num colchão, no quintal de sua casa. Não ficou muito tempo, o colégio cancelou as aulas mas o "audacioso" mudou-se para escola infantil de gabarito perto dali, na qual não lhe pediram 1 prova sequer de que entendia realmente de Capoeira.

Em 18/nov. 1990 o caderno dos bairros de O LIBERAL exibiu nosso ensaio geral no antigo ISEP (para show no TWH) e, abaixo, o "mestrão de olhos faiscantes" inaugurando (?!) UM MUSEU e, claro, mais aulas ! Claro que fui saber que "história era aquela... como 1989 acabou "lá atrás", termino aqui !

"NATO" AZEVEDO (em 24/jan. 2021, 17hs)

OBS: (*1) - foi o derradeiro evento, a imensa Academia fechou as portas logo depois. Dois amigos, alunos, combinaram dar ao mestre presente igual: o livreto "O QUE É CAPOEIRA" ( da Brasiliense) ! INDIRETA mais direta é impossível !