Não saberia dizer se aqueles assuntos me importavam. Afinal, não cabiam, por certo, em meu mundo, tão amplamente reduzido, solitário e feliz. Acompanhava de longe as caras. Ora sorrisos, ora preocupações e tristezas. Eram apenas sinais que aqueles rostos me davam.
O que estaria se passando?
Eu e minhas perguntas sem respostas. Por que aqueles eram meus pais? Quem determinou?
O que eles conversavam? Sei que estava ali, nas mãos deles. Comia, se me trouxessem comida, estudava, se me colocassem na escola, voltava da escola, se fossem me buscar. Barra da saia, barra da calça. Nas horas mais improváveis, sem suas companhias, um sentimento de estar encurralada, de ter que me virar sozinha e responder por mim.
Sempre afeita ao que me parecia correto, tinha medo de errar. Decisões simples pareciam muito difíceis. Lidar com as pessoas, mesmo com as crianças, não era tão fácil quanto deveria ser. Cadê a saia para me esconder? Cadê a calça de voz grossa para mimar, proteger?
A cada dia, aos poucos, era eu por mim. A nota da prova, a competição de natação, a escolha das amizades. Era meu mundo que teria que ser administrado. E o mundo não mima. O mundo vai nos jogando as provas, os testes. E você aprende, como se diz, na tapa.
Nem tudo é como parece, nem todos são como se apresentam. As tristezas chegam com pequenas decepções. Se vire! Bem-vindo ao mundo real!
Então era isso, as caras, as mudanças de fisionomia. Eu começava a ser eles e a compreender comportamentos. A sensação é de não ter tido tempo suficiente para entender todo o processo e de não ter desvendado tantos segredos sobre viver. Talvez nenhum.
As mãos que cobriam meu corpo com lençol, antes de dormir, já não chegam. Chorar não é mais solução quando dos cantos não surge a calça ou a saia, que na verdade mal davam conta das atribuições do mundo. Eram crianças crescidas, como eu (lembrei da música: são crianças como você, o que você vai ser quando você crescer).
Seguimos, eles, eu, e nossas pendências, dúvidas e descaminhos, tentando achar o sentido maior de ter chegado até aqui.
E diante do caos do mundo, ainda procuro a saia e a calça que, mesmo dentro dos seus próprios enganos e desacertos, tentaram me fazer sentir, mesmo por pouco tempo, que o mundo era lugar bom e seguro, e que sempre estariam ali.
Mas as mãos estão soltas, e por vezes rodopio cega, aguardando aqueles cuja função, “cumprida”, não pôde ser tão comprida ao ponto de continuar após a tapinha nas costas.
Agora é contigo!