Cansada

- Gostaria de poder fazer o que eu quero uma vez na vida, sem dar satisfação a ninguém... O que você acha disso? – Alice falou, como se tivesse vomitando uma verdade que há muito estava engasgada.

- Não sei exatamente o que você quer que diga. – Falei, sem tirar os olhos dela.

Alice apoiou as mãos na cintura e mordeu os lábios. Bateu um pé no chão, sem disfarçar a irritação e se sentou num banquinho, de costas pra mim, e de frente pro mar.

Me sentei ao lado dela e fiquei olhando para as ondas quebrando contra a praia, enquanto ela suspirava olhando para o chão.

- Estou cansada. – Ela disse finalmente.

- De que? – Perguntei.

- Dos homens. Das mulheres. Das pessoas. Acho que até de mim mesma.

- Te entendo.

- Será que entende mesmo?

- O sentimento é familiar.

Alice abriu a bolsa e tirou um pacote de chicletes. Colocou um na boca e começou a mastigar, e então ofereceu para mim.

- Não. Obrigado – Respondi.

Ela guardou o chiclete novamente na bolsa e murmurou.

- Estou cansada do que as pessoas esperam de mim. De quererem que eu me encaixe em algum tipo de molde. Estou cansada de ter que atingir as expectativas dos outros.

- Realmente é exaustivo.

- Você não faz ideia. Você é homem.

- A tá.

- O que foi?

- Ser homem me torna incapaz de entender esse tipo de coisa?

- Não. Mas torna mais difícil, por que você não sente na pele o mesmo que uma mulher sente. Todo santo dia... da infância até a cova.

- É. Pode ser.

- Tem homens que acham que a obrigação da mulher num relacionamento é fazer ele feliz. Atender todas as necessidades... como uma mãe. É meio doentio. E é aí que muitas mulheres perdem a individualidade. A feminilidade... o gosto por ser mulher. O gosto por se sentir bonita... sem que essa beleza seja pra agradar um homem... é uma merda.

Fiquei calado. Sem saber o que responder. E Alice cuspiu o chiclete bem longe.

- Falei demais? – Ela perguntou, finalmente olhando pra mim.

- Não. Só estou pensando no que você disse.

- Foi mal. Você não tem nada a ver com isso. Não tem por que eu estar te aperreando.

- Não me incomoda. Só nunca imaginei que você estivesse tão angustiada com essas coisas.

- Ah meu amor. A gente aprende a fingir que está tudo certo, só pra não enlouquecer. E pra não ser vista como louca.

- Pois eu acho que uma faísca de loucura faz parte... Faz parte de estar vivo. Faz parte do tesão...

- É por que você é meio doido... acho.

- Nunca neguei isso.

Alice riu e se levantou do banco.

- Eu devia ter ficado com você quando tive a oportunidade. Antes que nossas vidas tivessem mudado tanto.

- Não gosto muito de pensar no passado. Não dá pra mudar o que já passou.

- Eu sei. Eu sei.

- Mas eu não acho que você realmente quisesse estar comigo. Não da maneira que eu queria estar com você. Talvez você gostasse das coisas que eu falava. Do jeito que eu te olhava. Das coisas que eu escrevia. Mas a realidade era outra. Diferente do que te fazia brilhar os olhos.

Dessa vez foi ela que ficou sem ter o que falar.

Alice respirou fundo, olhou pra o céu, se virou pra mim e sorriu, depois estendeu a mão pra me levantar do banco.

Ela segurou com força na minha mão e me puxou. Depois começou a andar em direção ao mar.

Ela jogou a bolsa na areia, tirou a blusinha e jogou por cima. Ficando apenas de sutiã.

- Que você está fazendo, Alice? – Perguntei.

- Enlouquecendo... Ela respondeu com um sorriso no rosto de um jeito que há muito tempo eu não via.

Não consegui segurar o riso e ela continuou a andar pra longe.

- Vem comigo, ou vai ficar ai pensando em coisas que a gente não pode mudar? – Ela gritou, enquanto o vento esvoaçava os seus cabelos, sem que ela tentasse contê-los.

Tirei a camisa e joguei por cima da blusinha dela e comecei a descer pela areia, enquanto Alice acelerou o passo e se jogou no mar, sem sequer olhar pra trás.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 22/01/2021
Código do texto: T7165826
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.