A vacina e os ratos

     1. É inaceitável este bizarro bate-boca que, neste momento, cientistas, políticos coroados e autoridades da República travam em torno das duas vacinas contra a Covid-19.  Discutem qual, afinal, é a milagrosa. Enquanto isso, o danado do virus segue matando gente em todo o território nacional. 
     2. Os cemitérios estão superlotados. Os corpos dos nossos mortos estão sendo "guardados" em contêiners congelados e neles vão permanecer, até que possam ser dignamente sepultados na primeira necrópole que dispuser de covas vazias, ainda que sejam rasas. 
     3. Além de questionarem a qualidade e a eficácia das duas vacinas, ambas aprovadas, à unanimidade, pela ANVISA, prossegue a discussão sobre se a vacinação deve ou não ser obrigatória. Pela lei é, com o Brasil atravessando uma pandemia cruel e avassaladora. Não pode ser diferente. Sou pela obrigatoriedade.
     4. Que se obrigue, mas sem constranger o cidadão. Para não acontecer uma nova "Revolta da vacina", um confronto fratricida que transformou o Rio de Janeiro em um imenso poço de sangue. Em 1904, o presidente Rodrigues Alves, para combater a varíola, quis obrigar o carioca a se vacinar. O povo não aceitou. Rebentou a revolta, e o Rio de Janeiro virou um campo de batalha, com mortos, feridos e muitos presos.
     5. Volto no tempo para falar um pouquinho sobre a chamada "Revolta da vacina". Mais para ressaltar o que a insensatez é capaz de fazer; e não para discorrer sobre o conflito carioca nos seus aspéctos políticos, táticos e operacionais. Não sou especialista em embates; construo pontes...
     6. A "Revolta da vacina" ocorreu entre 10 e 18 de novembro de 1904. Como disse acima, o povo do Rio não aceitou a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, medida oficializada pelo presidente da época, Rodrigues Alves, o Soneca, seu apelido.
     7. Foi sangrenta sim. Segundo alguns historiadores e cronistas da época, não tão sangrenta como os opositores do governo queriam. E chegaram até a divulgar que a lei "previa o arrombamento das casas dos recalcitrantes e impunha o desnudamento de senhoras e senhoritas para que seus braços ou nádegas ficassem à mercê das seringas". 
     8. A defesa da obrigatoriedade da vacinação logo contou com a adesão de intelectuais e da elite carioca; destacando-se as figuras de Oswaldo Cruz (1872-1917) e do poeta das estrelas, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, o nosso Olavo Bilac (1865-1918). 
     9. O Rio de Janeiro dos anos 1900 era um verdadeiro chiqueiro. As medidas sanitárias se faziam necessárias. As vacinas contra a febre amarela, a varíola e a peste bubônica, esta patrocinada pelos ratos, se faziam necessárias. Para fazer essa faxina, ter-se-ia que tirar os pobres que povoavam o centro da cidade. E eles, expulsos, subiram os morros, revoltados e protestando.
     10. Mas,  em todos os tempos, mesmo os de epidemia ou pandemia, existiram os psicopatas , aqueles que não se condoem com a dor alheia, e os ladrões, aproveitadores e espertalhões.  Agora, por exemplo, circulam notícias, segundo as quais, vacinas somem ou são aplicadas indevidamente.  
     11. Para mostrar que esses espertalhões e oportunistas sempre existiram, mesmo em tempos de flagelo, lembro um grotesco episódio que faz parte da história da "Revolta da vacina".
     Na sua batalha sanadora, o governo do presidente Rodrigues Alves "anunciou que pagaria a população por cada rato que fosse entregue às autoridades. O resultado foi o surgimento de criadores desses roedores a fim de conseguirem uma renda extra". 
     12. Os espertos, os oportunistas, os aproveitadores, pois, não são d'agora. Eles vêm de longe;  com certeza, desde o tempo da "Revolta da vacina", início do século 20.
     Criar ratos, para revendê-los? É o fim da picada, dirá o João, o inteligente gari de minha rua.
        
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/01/2021
Reeditado em 22/01/2021
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