Dona Lurdinha

Momentos difíceis, tristezas, situações desesperadas, falta de perspectivas, desavenças, brigas familiares, início de ano, pandemia… Ufa! Essas coisas nos estressam, mas também nos fazem pensar em maneiras antigas de superação dos desalentos. Recordo-me de algumas pessoas que conheci e cujo papel se assemelhava ao dos profissionais da área médica nos dias de hoje. Eram muito requisitadas em ocasiões de carências espirituais e materiais. Na fazenda do meu avô, morava uma dessas pessoas, uma senhora, esposa do vaqueiro. Em frente à sua casa, formavam-se filas nos finais de semana. Jamais a presenciei cobrando pelos serviços que, diga-se de passagem, sempre eram desempenhados com seriedade e, principalmente, meiguice. Eu posso afirmar: ela sabia ler a alma humana.

Que eu saiba, ela não fazia propaganda dos seus serviços e a divulgação era na base da indicação. Todos a chamavam por “Dona Lurdinha”, inclusive o marido e os filhos. Era miudinha, um tanto curvada, e fazia um café delicioso no fogão à lenha. Ela recebia e ajudava quem aparecesse por lá solicitando conforto espiritual. Tinha solução para os miúdos e os graúdos, os novinhos e os velhos, homens e mulheres, para os males do corpo e da alma. Não se considerava “sabe-tudo” e tinha humildade para reconhecer suas limitações e ignorâncias. Se fosse o caso, dizia: “vai consultar um dotô da cidade, meu filho”. Eu não saberia classificá-la em termos religiosos ou quanto à sua prática de cura, talvez nem ela soubesse. Meu avô nunca se incomodou com sua popularidade e com o grande fluxo de gente das redondezas nos fins de semana.

Eu e meus irmãos nunca estivemos com ela por conta de alguma doença. Minha mãe não era favorável, mas não tinha preconceito, era uma questão científica, talvez ideológica. Minha mãe sempre foi muito rigorosa com vacinas, remédios e visitas periódicas ao médico da família. As objeções da minha mãe não impediam que fôssemos visitá-la, para conversar, aprender alguma coisa sobre os mistérios do mundo, além de comer biscoitos e outras quitandas.

Era seu costume pedir aos que iam vê-la para levarem ramos de plantas, de preferência bem vistosos. Fazia a pessoa sentar-se num banquinho rústico de madeira virado para a porta, colocava-se atrás da pessoa e com a planta fazia uma espécie de reza, que não compreendíamos. A impressão que dava, quando terminava, era a de que os ramos estavam murchos, então ela dizia: “nossa, você estava muito carregada”, e a pessoa ia embora aliviada.

Se eu tivesse discernimento antropológico apropriado na época, teria anotado tudo, fotografado, registrado. Um dia, a família foi embora e nunca mais os vi. Mais do que isso, não me lembro. Pouco entendia de sabedoria popular e o papel da esperança na cura, mas me tocavam seu carinho, respeito e o interesse pelos que a procuravam. Seu jeito de olhar o próximo me marcou.